Sunday, September 28, 2008

A Menina da Aura Amarela



Ele tinha uma facilidade de identificar o que as pessoas sentiam. Seus amigos ficavam surpresos como ele conseguia notar o que cada um estava sentindo. Enquanto em relação a ele, isso era totalmente o oposto. Sua expressão facial nunca mudava independente do que sentia. Era uma das únicas pessoas no mundo que conseguia sorrir mesmo estando chorando. E não sorria apenas de conveniência. Ele era assim. O que todos não sabiam era de onde vinha tamanha facilidade em interpretar sentimentos. Em torno das pessoas, enxergava uma espécie de aura que mudava a cor de acordo com o caráter ou sentimento. Se assustou no dia que descobriu que as pessoas não viam umas as outras assim. Sempre achou que aquilo era comum, mas ao perceber que era único, preferiu não falar nada, pois tinha medo que pensassem que ele era louco. Metade dele acreditava que ele era realmente louco. A outra metade acreditava que ele era especial. E era essa metade que o fazia analisar e tentar ajudar ao máximo o que cada um sentia. Adorava fotografias e tentava capturar imagens e pessoas, já em casa analisava a expressão facial com a cor da aura de cada um. Já havia visto auras de tantas cores, algumas que nenhum outro olho humano já viu, cores inomináveis e imagináveis. Cores que somente as auras são capazes de ter, além das cores comuns e amadas.
Por algumas vezes pensava se todas as pessoas viam o mundo de formas diferentes. Não acreditava que o vermelho em outros olhos teria a mesma tonalidade. Mesmo depois de todas explicações de física, acreditava que as cores eram apenas uma de várias diferenças da forma de enxergar o mundo. Mas na maioria das vezes preferia não mais pensar nisso, sua metade especial podia se tornar louca.
E foi numa dessas saídas de casa que ele acabou se perdendo, estava concentrado em fotografar e observar as pessoas que não percebeu que havia descido no local errado do ônibus. Talvez no fundo a metade louca que queria se perder. E quando seus olhos cruzaram outros se assustou. Uma aura de cor amarela. Ele já havia visto auras de todas as cores, mas NUNCA amarela. Até achava estranho, não entendia porque as pessoas não podiam ter a cor do sol, mas agora estava lá. Radiante. Ela sorria como se soubesse que estava sendo observada e por diversas vezes piscava os olhos em segundos demorados. Sim. Ao piscar ficava mais tempo que o normal de olhos fechados, alguns segundos apenas, mas tempo suficientemente para encantá-lo. Fechava porque queria pensar sobre a vida naqueles segundos, ou então, porque não queria que seus olhos cruzassem com os dele. Ela percebeu que ele estava perdido, estendeu a mão e o guiou para onde ele precisava ir. Durante o caminho ele deu risadas que soaram como música para os ouvidos dela. Durante o caminho eles se tornaram um. Apesar ainda da aparente falta de intimidade, se despediram com um abraço sincero. Não sabiam o porque, mas sentiram que precisavam daquele abraço.
Ele não quis nem perguntar o nome dela, ele acreditava que não era direito entrar na vida da menina da áurea amarela. Metade dele já amava. A metade especial. A mesma metade que o odiava por ter ido embora deixando um rosto sem nome. Já a outra metade estava cansada.
Ao chegar em casa e revelar as fotos do dia, ficou surpreso com o que acabou de ver. No meio de tantas fotos e tantos rostos. Estava o dela. A menina da aura amarela. Numa foto tirada provavelmente horas antes de se encontrarem. E para sua maior surpresa na foto a aura dela estava cinza. Por alguns instantes uma metade dele acreditou que a aura dela se tornou amarela depois de se encontrar com a dele. A metade louca. Mas ele nunca saberia com certeza qual foi realmente o motivo. Agora restava uma fotografia para fazer companhia ao abraço sincero.
E como aquelas músicas que ouvimos uma vez na vida no rádio do carro ou no meio de uma festa e ninguém por perto sabe o nome e nem ao menos conhece para que você possa ouvir de novo. A melodia fica por alguns dias na cabeça e você passa dias tentando encontrar... até que um dia esqueça completamente da música que ouviu. Ele preferiu ser inesquecível durante um dia a ser esquecido ao longo dos anos. (Vinícius D'Ávila)