Saturday, January 19, 2008

Meio




Ela ainda estava perplexa com a felicidade daqueles dias, porque as pessoas falavam sempre de como era o amor e de história de amor e de sofrer por amor, mas ela não imaginava que fosse magnifico assim. Ele deitado de lado, de costas para ela, sem camisa dormindo e rangendo os dentes. Ela olhando para cima, para o teto, incrédula, jurando que aquele som de ranger dos dentes era o mesmo toque dos sinos de algum anjo no céu. Anjo. Era assim que se chamavam, porque não tinham certeza ainda para se classificarem como "amor" e tinham química demais no sexo para se chamarem por "você".

Não tinham nada de fato e nem tinha porque cobrar fidelidade, sinceridade, paciência ou visita aos domingos. O problema é que ouvir "não temos nada sério", deu coragem para ela dizer: "Tudo bem. Tenho outro alguém". Ele aceitava que ela transasse como mil outros caras depois dele, declarou por diversas vezes serem só duas pessoas sozinhas que ficavam quando se encontravam, que pelo bem dela, era melhor eles não se envolverem. Mas ouvir aquilo o fez perceber o quão ele estava envolvido, ainda que negasse. Por mais que ele dissesse "não temos nada", ele a deixava na porta de casa todos os dias em atitudes que diziam "você é minha". Ela também estava totalmente na dele, mas aprendeu com as melhores amigas que a melhor forma de ter alguém era mostrando indisponibilidade. Alguém realmente interessante não tem uma vaga na vida por tanto tempo. Ai ela também se baseou nas infinitas histórias de amor  dele, e até se emocionou ao ocasionalmente se tornar amiga de uma das ex. Não queria que com ela fosse assim, então foi se convencendo todos os dias, aos poucos, que um dia iria acabar, que quando não acabou, ficou sem saber o que fazer. Imagina que você pegue o ônibus errado e só percebe isso no meio do caminho, como não da tempo de voltar para pegar o certo, você esperar para ver até onde esse vai te levar. Era assim que ela se sentia.  Ai tinha também aquele outro cara bonitinho, doido para ficar com ela e ela naquela sensação de ter-não-ter alguém, ficou.

Nesse dia quase não se beijaram, ela já havia comprado os ingressos pro cinema mas nem ousou tirar da bolsa. Sempre se julgou experiente em relacionamentos, mas era péssima em romances sem definição. Sem definição, por causa dele. Ela toda nervosa falou na inocência sobre o outro cara. "Eu nem gosto tanto dele assim, se gostasse estaria agora falando com ele sobre você e não ao contrário". Despediram-se de maneira incomum, ele dizendo um tchau frio  e pedindo um taxi, ela chorando um pedido de desculpas sincero. E foram. Ela foi embora cantando uma música toda errada sem perceber. Chorou porque não terem se beijado ao se despedirem, chorou porque naquele momento haveria dezenas de casais apaixonados no cinema, e eles não eram nenhum deles. Chorou porque queria que fosse logo amanhã e queria saber se ele iria ligar. Chorou porque percebeu que o amava, no mesmo dia em que ele a esqueceu. Chorou porque era ansiosa e estava no meio da história. E o meio nada mais é que uma continuação do começo. Momento exato em que ansiosamente esperamos pra ler o fim.

(Vinícius D'Ávila)


Leia Mais ››

Wednesday, January 16, 2008

Começo




Ela estava com o amor próprio tão abalado, que acreditava que os elogios feitos eram realmente piadas. "Deve estar zombando de mim". E ele se fechava, pois vinha sendo assombrado pelos amores do passado. "Não quero mais me envolver com ninguém".

Foi repentinamente.

Naquela noite tudo que ela queria era dançar, como se seus pés tivessem criado vida própria e dançar fosse o mesmo que respirar para que eles sobrevivessem. Naquela noite ele só queria beber, mas seus amigos estavam mais de uma hora atrasados e ele estava constrangido de esperar tanto tempo sozinho. Mas estavam ali, frente a frente, na oportunidade única de se beijarem. De um beijo que quebrou tabus. O dela, que apostava na impossibilidade de realizar seu desejo. O dele, que jurou por um bom tempo não beijar ninguém.

E a história se iniciou.

E depois dali, ambos duvidaram um do que o outro sentia. Achavam que era piada, efemeridade, inocência, carência, indecência, mas não amor. Talvez por ambos já terem dito que amavam sem amar, por ouvirem um "te amo muito" e depois um "não tenho tanta certeza assim". Sempre acabando muito rápido para que fosse amor de fato. Independente do que sentiam, acreditavam que a lua conseguia brilhar mais quando estavam por perto e até adotaram uma música que falava sobre a lua.

E escrevia. Acostumou-se a escrever quando se sentia triste. Constantemente escrevia. Gostava dessa ideia de coisificar sentimentos, de dar vida a personagens que só existiam em sua cabeça, de dar fim as suas histórias que de fato não concretizaram. O mesmo fim que ela tinha medo que fosse trágico e por isso, diversas vezes pensou em evitá-lo. Até que ele mostrou que por mais trágico que fosse um fim, haveria um começo que faria valer a pena. Um começo cheio de dias inconsequentes, dormindo fora de casa e acordando quase meio dia. Um começo de dois corações retalhados, mas que funcionavam muito bem quando juntos. Um começo.

E termino essa história tão em aberto como começou. Porque no fim não digo que eles foram felizes, digo que eles estavam felizes, mas sinceramente, isso só bastava. Talvez alguém um dia sobreviva para contar o final sobre um casal que viveu eternamente feliz ou sobre alguém que sofreu uma perda. Mas não hoje, não agora. Essa história é sobre começos, não sobre fins. Porque definitivamente, concluíram, não era necessário que fosse eterno, para que fosse amor. E mesmo sem ainda saberem, simplesmente era.
(Vinícius D'Ávila)
Leia Mais ››

Wednesday, January 09, 2008

Não Era Amor




Não era amor. Definitivamente não era.

O filme havia sido bom. Não era o que eles esperavam, mas foi uma historia interessante. A maneira como ele tocava as mãos dela fazia com que aquelas pessoas cinzas se tornassem levemente coloridas. E eles davam risadas, mesmo não sendo uma comédia que assistiam. Riam de si mesmo. Sentados agora naquele restaurante observavam mais detalhadamente a beleza que o escuro do cinema escondia. Transformavam qualquer assunto tedioso em conversas de botas batidas. Entre uma tragada e outra ela ainda lembrava daquele que amou. Entre um gole e outro ele lembrava daquela que partiu. Eles já haviam experimentado o amor, mas não possuíam muitas boas lembranças. Preferiam andar agora se escondendo do sol.
Ela possui tudo que ele procurava em alguém. Ele também.
Ele era inteligente e responsável, era visível o seu futuro promissor. Além do sorriso que a encantava. Preocupava-se com os sentimentos dela e tocava em sua mão com tanto cuidado que a fazia não sentir medo.
Ela era bem-humorada e se entendiam tão intimamente e riam ininterruptamente que pareciam duas crianças em visita ao shopping numa manha de natal.
Conseguiam se comunicar pelo sorriso tão bem quanto por palavras.
Gostavam de filmes, livros e músicas. Eles se destacavam naquele mar cinza, mas não se amavam. Um não sonhava com o outro durante a noite. Não entendiam. Ele se sentia confuso. Ela se sentia burra.
Mas estavam cansados, daquela forma talvez fosse mais tranqüilo.
Eles então se beijaram.
Assim escolheram viver.
Aquilo não era amor. Definitivamente não era.
Era praticidade. (Vinícius D'Ávila)
Leia Mais ››