Saturday, February 28, 2009

De lata




De lata. Mas um metal tão bem cuidado que brilhava quando a luz do sol batia nele. Não vou negar que por alguns segundos eu consegui odiá-lo. Mas foram segundo tão rápidos e insignificantes diante da admiração que senti por ele na eternidade dos momentos que se seguiram.

Eu o encontrei sentado a beira de um caminho de tijolos dourados, descansando, esperando recuperar forças e voltar a caminhar.

Meu irmão mais novo me escreveu uma carta, falando de um magnífico homem de lata que ele encontrou em uma de suas viagens e senti profundamente sortudo de o encontrá-lo também.

Meu peito apertou quando ele disse o que buscava. Um coração. Ele acreditava que no fim do caminho amarelo, seus desejos seriam realizados, e era disso que ele precisava. De um coração. Que preenchesse o vazio que ele sentia por dentro.

Ele não importava se fosse de lata. Se fosse diferente. Ele não suportava era não ter coração.

E abria sua mochila e de dentro dela tirava tudo importante pra lustrar a lataria. Pano, óleo, cera. O segredo de simplificar, era compreender que já era de lata, e o que mais fazia brilhar era entender que se assim era, algum motivo devia ter.

A principio me preocupei desnecessariamente, que sua excessiva preocupação com o exterior o fizesse esquecer do interior. Burrice a minha. Uma nada tem a ver com a outra.

As pessoas dão diferentes importâncias a diferentes aspectos. E seu interior conseguia ser igualmente belo, e era eu que não tinha olhos capazes de olhar assim. Por dentro.

A beleza é tão relativa aos olhos. Hoje consigo dizer que a beleza é variável e não é fiel aos olhos. Ela pode mudar de acordo com quem vê.

E eu fiquei surpreso, pelo fato de que aquele homem não era de se abrir fácil, mas para mim ele parou e pediu informação. Mal sabia ele que era eu que mais aprendia ali.

E era um coração que ele queria, que batesse, pulsasse e o fizesse sentir vivo. Um coração que o fizesse feliz. Eu não poderia o ajudar com aquele problema, mas eu tinha um chaveiro em formato de anjo, tirei da minha chave e coloquei em suas mãos. Disse que se durante a caminhada se sentisse só, conversasse com o anjo.

Ele sorriu e eu tive que me segurar para não contar-lhe o que eu havia percebido. Ele tinha um coração, eu pude escutar bater, mas acho que ele não conseguia sentir. Talvez precisava de um outro coração para bater junto e forte, e somente assim sentir o seu bater. Eu poderia dizer isso a ele mas acho que era importante que ele continuasse o caminho e descobrisse no fim dele que ele tinha sim um coração só não escutava bater.

De lata. Mas de um metal tão bem cuidado que eu podia me ver ao olhar pra ele.

(Vinícius D'Ávila)

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Friday, February 20, 2009

De Palha




De palha. Era disso que era feito. Vou lhes confessar que foi umas das pessoas mais diferentes que eu já vi. Enquanto a maioria das pessoas buscavam ser felizes, ele buscava ser de carne. Só depois fui entender que ele havia colocado na cabeça que só seria feliz assim e que no fim buscava realmente o que todos buscavam. Sendo igual as outras pessoas, de carne e osso, seria mais fácil. E era isso que buscava quando eu o encontrei.

No pouco tempo que conversamos descobri que realmente havia pessoas de gênios mais fortes que o meu, e ele era um deles. E me segurei pra não chorar diante da história dele. De uma família de sete filhos. Ele. O sétimo. O único. Havia nascido feito de palha. E não havia uma explicação lógica. E ficar procurando explicação para isso não mudaria as coisas. Ele era assim, mas acreditava que poderia e queria mudar. Seria mais fácil ser como os irmãos. E eu que já tinha ouvido falar desde vampiros a garotas de vidro, me assustei com um garoto de palha.

De paciência curta, se estressava tão rápido como a palha pegava fogo. Definitivamente, paciência não era uma de suas qualidades. Ansioso. Acredito que a paciência é inversalmente proporcional a ansiedade. Não se pode ter as duas.

Certa vez ouviu falar de um caminho de tijolos dourados, mas achou que era tudo bobagem. Eu dava despistadas risadas da blusa que usava. “É proibido fumar”. E se contradizia em duas tragadas. Fumava pra se acalmar, mas não percebia o quanto aquilo era perigoso. A palha queima muito rápido. Eu com minha mania de conselhos chatos preferi ficar calado. Eu já havia percebido o teor de sua paciência.

E aos poucos fui entendendo que a palha mostrava a essência dele.

E ele viajou pra longe a espera de encontrar o que lhe faltava. Partiu pra perto do irmão que mais amava com a mala cheia de sonhos e a esperança de que um dia, acordaria como os irmão. Acreditava que existia uma regra certa ou um lugar exato pra ser feliz. Mas não havia. Foi lá que ele entendeu que poderia estar em qualquer lugar e feito até de vento e poderia não ser feliz. Não poderia enquanto não aprendesse a viver com os defeitos. Voltou mais rápido do que esperava.

Questionava que sendo de palha não poderia ser amado e se esquecia das inúmeras qualidades que possuía. Cantava e tocava violão como ninguém. Escrevia bem também. Ria de piadas sem graça. Era inteligente e campeão estadual de war. Se ele se escutasse enquanto cantasse, nem notaria a palha.

Um dia se cansou de tudo. De esperar ser feliz, de esperar ser de carne, de esperar a paciência, de esperar, que correu sem direção até chegar em um local completamente escuro para que acendesse o seu inseparável isqueiro e colocasse fim a sua espera. E como toda magia de todas histórias, o fogo iluminou um caminho que tava ao lado, mas não havia percebido.

O que parecia ser o fim se tornou uma oportunidade de um novo começo.

Resolveu acreditar e com passos curtos iniciou a caminhada.

E foi ai que eu o encontrei e pude lhe ouvir. Mas o tempo era curto e havia muitos outros passos para dar.

E aos poucos fui entendendo que a palha mostrava a essência dele. Talvez se ele não fosse de palha, não teria a mesma graça. Talvez nem teria graça. Mas torço pra que ele consiga achar o fim dos tijolos amarelos. Pra que mande cartas escritas á mão feita de ossos. Talvez no fim do caminho, ele descubra que a maneira mais fácil de se tornar feliz, é olhar ao redor e perceber que já é feliz. (Vinícius D`Ávila)

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Tuesday, February 10, 2009

Uma história sobres os Beatles, um par de pernas e duas bolas de gudes!




E era mais uma família de três filhos. Partiu primeiro o filho do meio num trágico acidente de carro, deixando dois pais feridos. Feridos com a marca de acabarem sós. A morte estava ali provando mais uma vez que nem todas as surpresas são agradáveis e a morte não respeitava regras.

E os pais provaram que amavam seus filhos da máxima forma que poderiam provar.

O pai queimou todas as fotos do filho do meio e as que não teve força suficiente pra isso, escondeu na casa de vizinhos e parentes distantes. A mãe chorou todas as lágrimas que um ser humano é capaz de chorar. Chorou até secar por dentro. Até perceber que nada mais lhe causaria dor, pois já havia passado pela pior de todas. Endureceram e curaram.

A morte deixou um espaço de idade entre o mais velho e o mais novo. Um espaço de 5 anos que não seria nunca preenchido.

O mais velho chegou na fase de se apaixonar, de escolher um sonho, se ferrar e caminhar. Aquela mãe não permitiria que outro filho lhe fosse tirado. Egoísta seria quem lhe tirasse o filho.E como um vento que sopra em dias quentes para aliviar toda inquietude, sopraram-lhe uma idéia nos ouvidos. Depois de um tempo relutar, concordou com a idéia que teve ao ouvir numa novela:

“Corte suas pernas e fique comigo!!! Aí, eu te amarei por todo o sempre e sempre...”

Ela não compreendeu que a amada estava metaforicamente falando. Era o coração, e não as pernas, que evitavam que o amado partisse.

E os pais provaram que amavam seus filhos da pior forma que poderiam provar.

Durante a noite cortaram as pernas do filho mais velho. Suas pernas viveram pouco mais de 18 anos e ali foram retiradas. O filho que a princípio tentou escapar foi convencido que ali era o único lugar onde deveria viver.

E se por algumas noites aquela mãe se arrependia das pernas que matou, durante o dia ela tinha a certeza de que tinha feito o certo, já não mais morreria sozinho.

E os problemas só se complicaram com o amadurecimento do filho mais novo. Que de filho mais novo se tornou em sonhador. É que essa história aconteceu numa época que não existia mais amor. As pessoas já não mais se apaixonavam. E o mais novo conseguiu quebrar a pedra em forma de coração que havia recebido quando nasceu. Se apaixonou por uma jovem totalmente errada. Perfeitamente errada. Ela usava piercing, mascava chiclete e tinha mechas vermelhas no cabelo. Não ia à missa aos domingos, fumava dois maços por dia, tinha uma risada escandalosa e era fã dos Beatles. Eles se amavam em todos os seus erros.

Não se preocupavam com os comentários dos vizinho que insistiam em acompanhá-los com os olhos toda vez que passavam e nem se importava em voltar a pé em dias de chuvas. O importante era que pudessem passar cada segundo mais próximos.

E a mãe até poderia aceitar não cortar as pernas do filho mais novo, mas nunca aceitaria a beatlemaníaca de dentes estranhos. Tinha medo que o arrependimento parasse de visitá-la só durante as noites e fizesse amizade com sua sombra. Mas caso fosse inevitável, as do filho mais novo também iria cortar.

E os pais provaram que amavam seus filhos da forma mais estúpida que poderiam provar.

Trancou o filho mais novo em casa, acreditava que sem se ver acabariam se esquecendo. Estúpida. Poderia lhe arrancar os olhos e mesmo assim não se esqueceriam. Mas aquela mãe nunca saberia disso. Ela nunca se apaixonou.

Poderiam se passar anos que a de unhas de esmaltes comidos estaria ali. Esperando-o.

E eles se comunicavam por cartas. Usavam pseudônimos, e falavam de partidas de bolinha de gude, quando queriam falar de amor. A beatlemaníaca chorava ao perceber que as cartas que recebia estavam marcadas por lágrimas. Lágrimas que nenhum sol seria capaz de secar daquele papel de muitas palavras.

E o irmão mais velho que se mostrava neutro em toda aquela situação, o mesmo irmão mais velho que junto com suas pernas foi embora também a voz. O mesmo irmão que mandava silenciosamente as cartas.

Cansada. A garota das mechas vermelhas vestiu sua blusa estampada com letras de Cazuza, e com a mão direita segurou seu chaveiro da sorte. O chaveiro em forma de amor. E apesar daquele dia chover muito, fazia um calor insuportável. Ela se escondeu atrás de um muro acumulando toda coragem que poderia juntar.

E ela provou que o amava da forma mais nobre que poderia provar.

Ou saia dali com ele ou morreria com ele aqui. E como todas as histórias, a continuação daqui pra frente se torna confusa. O que se sabe foi que ela conseguiu entrar e conseguiu impedir que as pernas fossem cortadas. Não se sabe se foi intencional ou um acidente, mas enquanto ela gastava seu amor em forma de coragem, a casa começou a pegar fogo.

Os pais foram os primeiros a sair tontos por tanta fumaça.

E o nosso casal sumiu no meio do fogo, mas seus corpos nunca foram achados. Provavelmente conseguiram escapar, ou não. Pois apesar do fogo ter destruído tudo, duas bolinhas de gude foram encontradas intactas onde o fogo começou.

E o pobre irmão mais velho não conseguiu escapar. As pernas lhe fizeram falta.

E aqueles pobres pais de tanto medo da solidão, acabaram sós.

E lembrem-se meus caros apaixonados. O amor de mãe é incondicional. Eles só tiveram o azar de nascerem na época e local que o amor já não mais existia. Não mais existia. Exceto pelo amor entre a beatlemaníaca e o Sr. Bolinha de gude. (Vinícius D`Ávila)

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