Tuesday, April 20, 2010

Romeu e Julieta Com Prazo de Validade



Julieta não era romantica como todos pensavam. Devido ao famoso conto de Shakspeare, imaginaram uma menina doce e esperançosa. Doçura demais enjoa. Ela na verdade era rude, sarcástica e não se abria com ninguém. Era uma defesa que tinha encontrado pra livrá-la de todo o mal, amém. Doce, o necessário para não enjoar. Amarga o suficiente para querer ainda mais do seu doce.

E achou graça o convite do Romeu em ir ao teatro. Fez graça com a cara dele antes de aceitar definitivamente. Ela sempre odiou convites de desconhecidos. Foi a primeira vez que pensou em desistir. Desistir de conhecê-lo. Não gostava de perder tempo. E ela só realmente aceitou, não porque queria ser a companhia dele, mas porque queria saber o quão constrangedor seria Romeu se apresentando.

Sentou-se na fileira do meio e mesmo sem muitas expectativas conseguiu rir das primeiras piadas. E antes do fim concluiu que ter ido ver Romeu não era tão constrangedor assim. Era amargamente prazeroso. Mas pra ela, o teatro, bastava! Antes dele chegar até ela, ela já havia pensado numa desculpa para poder ir embora. E foi. Foi a segunda vez que pensou em desistir. Desistir de estar com ele. Mas enquanto ela ainda ia embora, sentiu vergonha da desculpa tão mal elaborada, e do sorriso triste dado por Romeu ao ouvir tais palavras. Não que ela se importasse com Romeu, mas ela queria ver se ele era igualmente engraçado fora dos palcos.

Se beijaram, e descobriam que a mao dos dois tinha um encaixe perfeito, mas não se apaixonaram. Julieta de longe já sabia que Romeu não era o tipo de homem que ela namoraria.

- Eu sempre digo não.

- Pra quem?

- Pra todos!

- Mas por que isso?

- Não gosto de perder tempo.

- Então por que disse sim para mim?

- Porque cansei de perder tempo.

E se passaram alguns dias bons. Ela adorava toda a atenção, nunca recebida antes, disponibilizada por ele. Ele adora quando ela colocava os dedos na frente do rosto pra esconder a risada.

- Eu gosto de você.

- Eu também, mas não sou o tipo de homem que você namoraria. Eu sei. Você disse.

- É.

- ...

- Mas foda-se! Não preciso de um namorado na minha vida. Não agora. Precisava de alguém assim, como você.

Ele gostava tanto dela. Tanto que não a queria pra ele, a queria bem. Apenas isso. Era isso que o fazia sentir alegre. Talvez na verdade, era uma tristeza disfarçada com dois goles de cerveja, mas que ele preferia (ainda) chamar de alegria.

E ela gostava dele porque ele possuia todos os defeitos que ela não tinha. Paciencia, tolerancia e saber perdoar. Suas 3 maiores qualidades e simultaneamente, seus 3 maiores defeitos.

O maior medo deles não era se matarem no fim. Era se odiarem.

Certo dia quando ele a acompanhava para casa ela pensou em sumir. Desistir dele. Antes que se matassem. Mas não teve coragem.

Só que quem desistiu, foi ele. Se é que existia alguma coisa pra desistir. Desistiu por ela. Ele escolheu se tornar uma boa lembrança do que uma pedra no sapato.

Ela venceu. Se é que existia alguma vitória pra comemorar ou prazo certo de validade.

- E o que eu te trouxe?

- Como assim?

- Você disse que todas pessoas, as principais, quando entram na nossas vidas são pra trazer algo.

- Sim.

- Então? O que eu te trouxe?

- Dias bons. Havia tempos que eu não tinha dias assim.

Mas eles foram felizes.

Felizes por alguns dias.

Juntos.

Separados, foram para sempre.

(Vinícius D'Ávila)

Leia Mais ››

Friday, April 09, 2010

O Menino que Roubava Corações


Ele procurava algo que tampasse os buracos. Algo que ele não podia ver, mas que ele sentia e que o atrapalhava sentir o gosto ou ver todas as cores que normalmente todos viam. Era difícil procurar algo, quando não sabemos exatamente o que queremos. Antes que o condenem, entendam que ele nunca fez nada por maldade. Sem nem ao mesmo pedir foram lhe dados corações. E quem uma vez é rei nunca quer perder majestade.

Então resolveu passar a vida colecionando corações. A dúvida da distância entre se a menina iria realmente lhe entregar e se seu sorriso estava mesmo ainda surgindo efeito lhe dava poucos segundos de felicidade. Mas todas acabavam lhe entregando. Todas. E aquele coração que inicialmente parecia ser essencial para a sua sobrevivência, começava a queimar e sufocar.

De longe ele viu duas amigas se aproximando. Não queria causa mal a nenhuma das duas, mas achava que talvez elas teriam a cura para aqueles anos de solidão.

E como de costume fez algumas piadas, olhou dentro dos olhos, e uma delas começou a retirar ainda pulsante, ainda vermelho, aquele que agora já não era mais dela. A amiga assustada correu em direção contrária e ela ficou parada ali como se a felicidade dela, por aquele momento, fosse maior que a dele.

O problema de se entregar demais, é que nunca saberemos ao certo em quantos pedaços nosso coração suportará ser partido.

Mesmo sem saber se era seu último pedaço. Ela lhe entregou. E não esperou nada em troca. Não gritou palavras grosseiras quando ele anunciou que iria embora, não tentou arrancar o dele a força, não chorou para não quebrar o encanto. Sorriu.

E foi isso que a tornou diferente das outras meninas sem corações. O não esperar dele nada de volta. Definitivamente ele nunca daria seu coração a ela. Mas ela nunca questionou isso. Deu-lhe um beijo no rosto e correu em direção a casa para que houvesse tempo para sua despedida. Ela na sua imensa sabedoria possui duas verdades. Não havia nada para ela receber. E realmente era seu último pedaço. Seu único e último pedaço.

Depois de amá-las miseráveis segundos. Ele as odiava.

Ele sempre odiou quem amava em 15 minutos. Mas odiava ainda mais os que não sabiam amar.

Meu Deus, e quem sabe? (Vinícius D'Ávila)

Leia Mais ››

Tuesday, April 06, 2010

A Menina que Teve o Coração Roubado




Ela ainda correu entre a entrada e a porta verde. Antes era azul, mas a pedido da filha, o pai pintou de verde. Apertou a campanhia, bateu na porta e gritou pelo nome. Qualquer coisa que fizessem abrir rápido. Tinha medo que não desse tempo.

Dentro da casa, o pai resmungava que sempre era ele que abria a porta e enrolou alguns segundos enquanto procurava os chinelos. “Calma”! Gritava enquanto esmurravam a porta. “Parece que está morrendo”, pensou enquanto caminhava em direção a porta verde. E estava.

Ao abrir a porta recebeu um último abraço da filha e a viu caindo em seus braços. Ela o olhava como olha quem está apaixonada. Fechou os olhos, como cortinas de um teatro em que a peça é com um fim confuso e a platéia espera reabrir e os atores contarem o fim. Mas os olhos não reabriram. O pai ainda sem entender, deixou que as lagrimas caíssem dos olhos e deu dois beijos. Um na mão da filha e um na própria mão. Beijou a própria mão pra se sentir beijado.

Enquanto a esposa vinha correndo sem entender nada, enquanto a cadelinha lambia a mão imóvel da menina e enquanto ele ainda agradecia por ser sempre ele ao abrir a porta chegou a amiga de sua filha, quase sem fôlego, tentando explicar o que havia acontecido.

Roubaram o coração dela.

Ela tentou explicar que chegou um desconhecido de rosto e palavras bonitas, que em pouco tempo a fez acreditar em tantas coisas inacreditáveis, e que se ela não fosse tão tímida, e a amiga, agora sem coração, não fosse tão precipitada, teria sido ela ali agora sem coração. Ela entregou sem pedir nada em troca. Entregou sem ele pedir explicitamente. Sim. Ele pediu com sorrisos e com aquelas lindas ruguinhas dos olhos que se formavam toda vez que sorria.

Sabe quando você tem um pesadelo horrível que te faz acordar no meio da noite com uma agonia sufocante. E quando você percebe que nada era real e que na verdade está tudo bem e sente um alivio que daria pra aquietar milhares de corações no mundo, se fosse dividido. Pois é, foi esse alivio que ela sentiu ao entregar o coração.

O pai ainda sem entender como corações são roubados saiu pela rua procurando-sei-lá-o-quê. Deu a desculpa que iria atrás daquele ladrão, mas na verdade ele não queria achar nada, queria se perder. Mas acabou encontrando. Em uma lixeira próxima a casa encontrou algo que fez o seu coração parar por alguns segundos.

Um coração. Jogado fora, ali, junto de todas as outras coisas que ninguém precisava estava o coração da filha.

Mas o que mais lhe fez chorar (ou sorrir) foi perceber que entre latas velhas e papeis rasgados o coração ainda batia.

Seria tão mágico se todas as pessoas, assim como essa breve heroína, entendessem que amar é dar sem esperar nada em troca.

(Vinícius D'Ávila)

Leia Mais ››