Sunday, May 30, 2010

O Problema de Saber do Futuro


Ela sempre teve curiosidade de saber o que estava por vir. Dizia ela que eram só precauções. Antes de acordar lia sempre o horóscopo para usar a cor do dia, para saber se era melhor arriscar no trabalho ou no amor. Se seria um dia de sorte. Ansiosa. De personalidade e atos. Daquelas que lia a última pagina do livro, depois que terminava o primeiro capitulo. Queria encontrar um amor. Certa vez uma cartomante havia falado que naquele ano era o ano do amor. E encontrou. Coincidência.

Ela o conheceu aos 16 anos, namoraram por quatro anos, ficou um ano noiva, e se casou com 21. Teve seu primeiro filho com 22, e a segunda filha com 27. O nome do primeiro foi escolhido com a ajuda da cartomante. Ia nela sempre para tentar saber se iria chover ou fazer frio, mas Depois do primeiro filho passou a ir menos. Estava feliz demais para querer saber do futuro.

Durou mais alguns anos e se separou. Ele ficou com a casa da praia e um dos carros. Ela ficou com o apartamento, com o outro carro, e os dois filhos. Não é que eles tinham uma vida infeliz, os outros casais que eram felizes demais.

Voltou a ir na cartomante. Nem sempre a mesma. A que poderia lhe dar informações ou a que falasse o que ela queria ouvir. E foi em uma dessas visitas que se assustou. “A mesma mão que ajudou a criar a vida seria responsável por tirar a vida.” Ela entendia que não havia sido uma separação amigável, mas demorou acreditar que seu ex-marido pudesse realmente fazer mal aos seus filhos. Passou a privá-lo das visitas, tentou evitá-lo ao máximo. E imperceptivelmente já acreditava fielmente na previsão. Além de ansiosa, tornou-se paranóica.

E de tanto evita-lo, o ex-marido insistiu na visita, e foi em uma noite que ele tentou levar as crianças a força e ela pegou o carro e foi embora levando os filhos. Na tentantiva de salvamento, bateu o carro, morreram os filhos.

Talvez a cartomante estivesse certo. Mas pra ser sincero, talvez a cartomante só tenha dito mais uma de inúmeras verdades absolutas. Talvez ela falasse era de Deus. Só Deus dá. Só Deus tira, mas ela quis ser protagonista da história. E foi.

Moral I: Ninguém tem o poder de conhecer o futuro, por isso ninguém tem o poder de mudar o destino.

Moral II: As vezes é tão fácil acreditar em palavras desconhecidas, e relutamos tanto em confiar em quem esteve sempre por perto.

Moral III: Há pessoas que são cegas. Cegas para perceberem que elas próprias são as vilãs da própria história. É mais fácil encontrar culpados. E prazeroso também. (Vinícius D'Ávila)

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Friday, May 21, 2010

Fábrica de Heróis


Eu não vou negar que inicialmente eu queria ser médico. Sempre gostei de branco, seringas e escrever com letras que ninguém entenderia. Só eu. Ser incompreendido sempre me atraiu. Fiquei honrado e amedrontado na mesma proporção quando me selecionaram para escola de heróis. Daí então teria que aprender a conviver com altura, coragem e uma fantasia que não ia me fazer sentir a vontade. O único ponto em comum seria o de mortes. Ou positivamente pensando, vidas. Todos os jovens no mundo sonhavam em ser heróis, mas somente aqueles em que detectavam um dom incomum, seriam convocados, e desses poucos, poucos chegavam ao fim. É que com o passar dos anos iriamos aprendendo a sermos mais fortes, a nos regenerar, a salvar vidas e a voar. E com o passar dos anos descobriríamos que o dom de alguns não eram em quantidade suficiente para torná-los heróis.

Mas comigo não foi assim.

Começou uma turma pequena e única daquele ano. Quarenta. Quarenta jovens de diferentes lugares e diferentes sonhos que tiveram seus destinos cruzados porque alguém lá em cima os presenteou com esse dom. E foi na aula de telecinesia que me aproximei da menina dos olhos negros. Os mais belos olhos que já vi não eram azuis ou verdes, eram negros. E me encantei pela forma dela conversar e pela calma com que segurava seus lápis. Adorava o jeito desengonçado dela da risadas e sua escolha repetida por sabor de flocos. Quando já éramos íntimos o bastante para compartilhar sonhos, ela se abriu para mim. O sonho dela era voar. Lembro dela me contando isso com a voz modificada pelo rosto na frente do ventilador.

- Nem sei porque estou te contando. Não gosto de contar sonhos.

O problema era que voar só aprenderíamos no último ano. Precisávamos aprender a sermos fortes primeiro.

O meu – por mais que pareça demagogia – era salvar vidas. Eu não conseguia ver em mim esse dom. E ela ria toda vez que eu falava disso. Mas eu tinha paciência. Diziam os professores que todos antes de formar – como exigência curricular – deveriam salvar uma vida. Eu sempre andava olhando para cima das arvores tentando achar algum gato que precisasse ser salvo. Eu tinha um conceito errado sobre salvar. Temos essa mania. Conceitos diferentes para palavras idênticas.

Ficávamos de mão dadas durante as noites de estudos, como se fosse possível transferir conhecimento por osmose, sentávamos lado a lado na sala de aula e chorávamos na frente um do outro, pra não ter a vergonha de chorar na frente de outras pessoas e nem a dor de ter que chorar sozinho.

Eu nunca quis ser herói, mas fiquei grato por ter sido escolhido assim. Só dessa maneira a teria conhecido. Ela era uma das melhores da turma, por isso me assustei quando recebi a notícia. Ela não poderia mais continuar o curso. O dom dela estava limitado e por mais que ela se esforçasse, não seria uma heroína. Ser herói perdeu a maior parte da graça quando ela teve que ir embora. E a partir daí tive que estudar sozinho e chorar sozinho também. Agora com ela longe eu tinha mais motivos para chorar, porque saudade era algo que definitivamente eu ainda não conhecia. Nos víamos pouco, por mais que prometêssemos nos vermos mais. Cada vez menos, menos, menos até que imperceptivelmente eu fui desaparecendo da vida dela. O número do meu celular não aparecia em suas contas, ela não estava sorrindo em minhas fotos recentes,  já  não comprávamos sorvete de flocos.

Chegou a época de minha formatura. Os que antes eram quarenta, agora eram só dez. E todos os outros nove haviam realizado grandes feitos. Salvados senhoras em incêndios, crianças de afogamento, jovens de assaltos. Mas eu não. E não foi por falta de tentativas. Eu sempre chegava atrasado nos locais ou me perdia sem saber o que fazer. Eu não conseguia me ver como herói, pensava sempre se não haviam se esquecido de me avisar que eu não teria o dom também.

- Não desista. Antes de formar terá feito o mais belo dos atos heroicos  – Dizia para mim a professora que eu mais gostava. Acho que ela só tentava me animar, para assim eu não desistir.

Chegou no dia do baile. Amigos e familiares nos esperavam em um grande campo verde. Todos bem vestidos, a espera dos heróis que para simbolizar a formatura voariam com um familiar querido escolhido. Os filhos voariam com as mães. Os Maridos com as esposas. Os irmão com as irmãs. Dependeria do herói.
E quando todos os outros nove estavam prontos e com seus pares já no alto, olhei para minha mãe, olhei para minha namorada, olhei para minha irmã e apenas sorri em forma de agradecimento por terem ido ali. Andei em direção a garota dos olhos negros, que linda, estava sentada com o olhos segurando tantas lágrimas que borrariam sua maquiagem se ousassem saírem.

- Comigo?
- Sim. Com você.

E voamos naquela noite. Mais alto que todos os outros casais. Tão alto para caso chorássemos só nos dois pudéssemos nos ver, mas não choramos.

Foi então que eu aprendi que salvar uma vida, não era apenas impedir alguém de morrer. Era mudar a vida de alguém sem nenhum interesse por trás disso. Era lhe devolver a vida.

- Nunca imaginei que um dia eu iria voar – Disse ela com os seus olhos lindos.
- Nunca consegui me ver como herói.
- Se você se visse como eu te vejo – Disse ela ainda sorrindo.

Foi assim que eu entendi.

Eu lhe fiz voar.

Mas ela me fez herói.

(Vinícius D'Ávila)
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Sunday, May 09, 2010

A Lenda do Príncipe Aventureiro




E como uma dorzinha de dente que vai e volta durante a noite te impedindo de dormir, doía seu coração com dores que iam e vinham o impedido de viver. Foram várias decepções que o tornaram assim. Perde-se o amor, ganha-se coragem. E de tanta coragem lhe apelidaram de Príncipe Aventureiro.

As cores do mundo haviam perdido a intensidade. Ele já não sentia ciúmes, nem criava expectativas. Sabia que sua decepção seria proporcional a sua expectativa. E assim, se livrava de novas histórias sem dor. Mas precisava delas para se diferenciar dos mortos. Para lembrar pra ele mesmo que ainda não havia morrido. Estava feliz, mas era uma felicidade diferente.

Não o usava mais as palavras "te amo". Nem “sempre” e nem “intenso” . Trocou todas elas por um fraco "gosto de você". E as vezes, bem as vezes, acompanhada de um “muito”. Mas o "nunca", se tornou parte dele

Certo dia ao folhear o jornal do reino ficou admirado com um desenho de uma princesa. Em um reino muito, muito, muito distante, morava uma princesa que poderia estremecer seu coração. Porque se só de olhar para a foto já havia perdido os sentidos.

Escreveu cartas para a Princesa distante. Lua. Igualmente distante. E a Princesa Lua respondia pacientemente todas as cartas enviadas pelo príncipe. Algumas demorava um pouco mais, outras saiam frias, mas respondia todas. E no final de cada lembrava que já estava prometida a um casamento, e o melhor, amava o seu prometido. Só que como ela e o prometido moravam distantes e ela esperava pacientemente de longe o dia do casamento.

E depois de algumas cartas trocadas, pediu permissão da princesa para ir conhecê-la. Não queria roubar o lugar do prometido, só queria ver se os olhos dela os encantavam na mesma proporção vistos de perto. Todo mundo é bonito visto em quadros, sem defeitos, numa moldura perfeita e tintas bem escolhidas. Mas se aquela princesa estremecesse igualmente seu coroação teria valido a pena cada quilômetro percorrido.

Eles estavam em lados opostos da vida. Um abismo. O mais distante que um ser poderia estar do outro. Não digo de locais, digo de idéias. Enquanto ela, indubitavelmente, acreditava e esperava a chegada de seu amor, ele só queria um bonito sorriso, porque já não acreditava mais nada.

Então, subiu em seu cavalo e viajou dias, semanas, uns dizem que até meses, mas chegou. E ela era sim, mais bonita que nos quadros. Os quadros não retratavam o cheiro bom dela, nem quão macios eram os seus cabelos.

Desceu do cavalo e se aproximou em passos lentos.

Ela o estendeu a mão e fechou os olhos, enquanto ele a beijou.

Sentiu o sangue percorrer novamente o corpo. Os dois.

Ela abriu os olhos e como sem ter certeza do que ia dizer disse:

- É só isso que eu posso te dar.

E ele respondeu:

- Mas foi só isso que eu vim buscar.

Virou-se, montou no cavalo e iniciou sua viagem de volta ao reino.

Se ele parar, eu peço mais um beijo – Pensou ela enquanto o via se afastar na paisagem.

Se ela me pedir mais um beijo, eu paro – Pensou ele enquanto o cheiro dela ia se tornando cada vez mais distante.

Já não havia um abismo entre os dois. Mas continuaram para sempre distantes.

Não é que ele não acreditava no amor. Ele só não acreditava mais nas pessoas.

(Vinícius D'Ávila)

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Thursday, May 06, 2010

O Julgamento do Homem Sem Destino




Assassinato. Foi por esse motivo que ele foi preso. Mas ele não era uma pessoa má. Era casado, feliz e ajudava – sempre que podia – as pessoas. No máximo urinava três vezes ao ano fora do vaso. A última pessoa que imaginariam matando alguém. Era mais fácil imaginá-lo sendo morto.

Era feliz. Mas era tão feliz, tão feliz, tão feliz que exalava felicidade por todos os poros do seu corpo. Talvez fosse essa felicidade que atraiu o bandido. Numa noite que era pra ser uma qualquer, entrou um terceiro e matou sua amada. Ele não conseguiu reagir. Gritar e chorar foi o máximo que pode fazer. Mas gritos não salvam vidas e lágrimas não são provas de dor. Mas doeu. Doeu como se um pedaço dele tivesse morrido e gritou até sumir a voz. Viveu como zumbi entre os vivos, aprendendo a suportar os dias até que numa manhã que também era para ser uma qualquer, ao entrar num supermercado encontrou o tal bandido. Não pensou duas vezes. Iria o usar o revolver que comprou após o assassinato.

E assim mudou o destino daquele que mudou a sua história. Matou o bandido, mas matou também um inocente. Foi preso no mesmo dia. Não se escondeu, não negou, não tentou por a culpa em ninguém.

“Matei para tentar diminuir minha dor. Perdi o medo de morrer, perdi o receio de machucar os outros. Doeu em mim também aqueles tiros, mas doeria ainda mais não os ter dado. Não estava lúcido.”

Foi levado ao tribunal e foi passado a sete outras pessoas o direito de decidir o novo destino dele. Tudo aconteceu em outra época e em outro lugar. Sete pessoas que escutariam uma verdade maquiada – porque uma história contada nunca é idêntica a que aconteceu – chegariam a uma conclusão.

E apesar dos seis primeiros jurados terem apenas se levantado e dito que o condenavam, o que o marcou foi a atitude do último.

Um amigo de tempos antigos. Ele sabia que já estava condenado, mas queria ouvir o julgamento de alguém que o conheceu em todos os seus dias, sabia a dor que havia passado e não iria resumi-lo em apenas por um ato isolado. Ele era culpado, e estava sendo condenado assim, mas não queria ser julgado com cruel, sádico e sem coração.

Então, o seu amigo se levantou e disse:

“Condeno. Porque me envergonha suas atitudes. Me envergonha seu modo de agir e sua capacidade de ferir as pessoas, mesmo sabendo a dor que a morte causou em você. Condeno pelo seu egoísmo, pela sua falta pudor. Condeno porque sinto nojo de ser seu amigo, na verdade não sou, descobri que não te conhecia. Condeno.”

Foi preso e durante todos os dias pensou se dizer somente “condeno”, não era o suficiente. Não se arrependeu e nunca se arrependeria. Pagou pelo crime e saiu da prisão.

Ainda nos primeiros, enquanto tentava reconstruir a vida, recebeu um telegrama. Era pra ser jurado. Vestiu sua melhor roupa e foi.

Podem achar que é coincidência, mas não é. Quem estava sendo julgado, naquele dia, ela aquele último jurado. Aquele mesmo que ele esperou compreensão, mas foi o que mais o condenou. Estava sendo julgado também por assassinato. Briga de trânsito, sacou uma arma e matou um inocente. Depois do crime, ainda foi para uma festa, beber e se divertir.

Diferente do dia do seu julgamento, ele foi o primeiro jurado a falar.

Levantou-se e iniciou o seu discurso.

“Sinto pena de você. Tentei e tento não te odiar, mas te odeio mais do que aquele bandido que um dia matou minha mulher. Porque dele nunca esperei nada, mas você sabia que eu não era somente um assassino. Me envergonho da sua hipocrisia, da sua imaturidade, da sua falta de percepção em analisar que seu teto era de vidro. Acho graça no seu desespero em tentar se justificar. Sei que não se importa com o que penso e sinto nojo de um dia ter pensado que era seu amigo. Mas não te condeno, pois além de assassino, estaria me tornando alguém como você. Não te condeno, mas também não te desejo nada. Nem felicidade, nem estrelas. Te desejo apenas que tenha sorte hoje, para que nenhum dos outros seis jurados, sejam pessoas como você.”

Sentou-se e se fechou. Não queria ouvir o julgamento dos outros.

Ele não discordava que as pessoas deviam pagar pelos seus erros, nem discordava que consertar um erro com outro erro, era burrice. Amigos serviam sim para abrir os olhos e apontar as falhas. Ele só não tolerava julgamentos. Dizia que condenava e pronto. Mas julgamentos ele não tolerava. Porque a diferença entre o assassino e os que jogavam pedra, era apenas a arma.

(Vinícius D'Ávila)

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