Sunday, March 27, 2011

Todo carnaval tem seu fim


"...nunca consegui entender como se pode amar o próximo. A meu ver, é justamente o próximo que não se pode amar, só os distantes é possível amar. [...] Ainda se pode amar o próximo de forma abstrata e às vezes até de longe, mas de perto quase nunca. [...]"

(Dostoievski)


Nos encontramos pela primeira vez no carnaval. Era terça a noite e você foi embora antes de amanhecer. A quarta-feira de cinzas trouxe com ela a certeza de que você não fazia parte da minha vida. E sabe quanto tempo demorei para interpretar o que de verdade eu havia sentido? Nem eu sei. Só sei que durante todo o ano eu gostava cada vez mais de você, mesmo que eu apenas a tinha como uma voz ao telefone. Só sei que durante todo o ano eu sentia cada vez mais estar sendo esquecido por você. Disse ainda sentir falta na páscoa, fez pedidos para não ser esquecida no dia dos namorados, me mandou mensagens quando já era finados, mas parecia nem mais lembrar quando já era natal. Não tínhamos vidas semelhantes, hábitos e pessoas em comum, nossas linhas nunca haviam se cruzado, exceto no carnaval.

E como a letra de um romance de música baiana, só nos reencontraríamos no carnaval.

E eu sempre tive a teoria de que o que o distante era mais bonito. Que os dias em que meu celular ficou sem bateria recebi as mais importantes ligações , as melhores festas eram as que eu faltei, os melhores amores estariam nos dias que eu não animei sair de casa e as melhores vidas eram as vividas fora da minha cidade. Que as histórias que não existiram eram sempre melhores que as reais. E você era a minha história não concretizada.

Não precisei te beijar para gostar de você, mas contei os dias do ano para que eu pudesse realmente te beijar.

E sabe o porque eu sentia medo de ser novamente carnaval? Eu personifiquei uma imagem tão bonita sobre você, que me doía que a possibilidade de que jogassemos fora toda a idéia de casal perfeito após te dar o primeiro beijo. Meu medo era ter a certeza que nossa história só era bonita porque o carnaval teve fim. Que não teríamos nos gostado se passássemos mais tempo juntos, que nossos dentes se trombassem nos beijos ou nossos abraços se encaixasse.

Mas ai chegou o carnaval e apesar de ter te visto apenas na última noite, novamente na terça, você quebrou minha ilusão do distante que era bonito. De perto você era ainda mais linda e seus beijos eram melhores do que um dia eu pude imaginar. Eu sentia que era só eu e você mesmo que no meio de uma multidão. Cantava as musicas mais bonitas enquanto olhava para você e ri quando me disse que ao amanhecer seus olhos se tornavam verdes.

E nesse momento eu fiquei dividido. Se uma parte de mim queria ver o sol, pra ver quão verde seus olhos ficavam, a outra parte queria manter o sol longe, pois era o mesmo sol que nos avisaria que era hora de ir.

Enquanto amanhecia eu imaginava que novamente te perderia aos poucos durante o ano, por mais certeza que tivéssemos agora do que sentíamos, saberia que te perderia. E fui sorrindo com o dia amanhecendo e com seus olhos ficando cada vez mais verde. E fui sorrindo, pois apesar de ser quarta-feira de cinzas, ainda era carnaval e era no carnaval que você me amava. E te beijei sorrindo porque você não era bonita apenas distante e que talvez pudéssemos ter um final feliz. Despedi, porque los hermanos já havia um dia decretado, todo carnaval tem seu fim.

E antes de surbir no ônibus de volta para minha vida sem graça, corri a uma papelaria e pedi da melhor tinta. Da que durasse mais e fosse das cores mais vivas. Porque eu já estava decretando, para mim, seria carnaval o ano todo. (Vinícius D'Ávila)

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Friday, March 25, 2011

Amaldiçoado a morrer sozinho


"Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares coincidiram. E deu-se o encontro." (Rubem Alves)

Além de mim, ainda haviam duas meninas sentadas esperando serem chamadas para dançar quando você entrou pela porta. E em toda minha vida eu nunca havia me sentido tão agoniada por estar sentada. Mas sinceramente, nenhum dos rapazes que chegou antes de você me despertaram interesse. Não naquele momento. Eu estava numa fase de vida extremista. Ou dançasse perfeitamente a ponto de sentir meus pés saírem do chão ou nem levantaria da cadeira.

E com os segundos que você se aproximava eu tentava descobrir se eu era realmente interessante para que escolhesse a mim.

E você me chamou.

Durante toda dança eu acreditei ter sido escolhida por já não ter muitas opções e não por realmente ter despertado seu desejo. Eu não prestei atenção na música que dançávamos e nem percebi se meus pés permaneceram todo o tempo no chão .

E saímos dali para nos beijarmos em privacidade e trocarmos confissões de bons momentos. E sorri. Não que eu depositasse em você a responsabilidade de me fazer feliz, mas eu depositei a responsabilidade em mim de fazer com que tudo desse certo. Mas não deu.

Você me disse que todas as pessoas por quais se interessava partiam logo após conhece-las. Uma espécie de maldição para morrer sozinho. E eu sorri porque comigo não seria diferente. Lembrei da passagem compradas, das malas já arrumadas, de toda distância que eu estaria no dia seguinte. Eu até tentei te dizer que poderíamos esperar de longe, que a páscoa estava ali. Eu tentei ser engraçado, ser interessante e dizer que a distancia hoje em dia era tolerável, mas você não disse nada em resposta, então resolvi te beijar e esperar amanhecer.

Eu fui embora em direção ao ônibus feliz por ter me chamado para dançar e ao mesmo tempo confuso se me incluía nas pessoas que se interessou antes de partir.

Sabe o que eu conclui sem muita certeza? Que não era as pessoas que você gostavam que partiam. Você gostava delas porque elas iriam partir. Talvez por medo de se relacionar.

Sabe o que eu conclui com muita certeza? Que eu já gostava de você.

E cada vez que o ônibus ia se distanciando eu ia imaginando que a qualquer momento eu já “não estaria mais na sua”. E pela segunda vez senti novamente agoniada por esta simplesmente sentada. E você me esqueceu, provando que era eu e não você, amaldiçoado a morrer sozinho. (Vinícius D'Ávila)

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Quando foi mesmo que acabou?





Quando foi mesmo que acabou?

O que?

A gente.

A gente quem?

Eu. Você. Nós. Todos.

Acho que você não está bem hoje. Nós quem?

Nós. Quando foi que deixamos de nos ver todo dia? Passei o dia tentando lembrar quando foi que saímos todos juntos. Todos, sem faltar nenhum, e não lembrei, assim como não lembrei quando foi que nos tornamos velhos demais para aquela praça ou interessantes demais para nos mantermos juntos. Não me lembro quando o amor já não era mais o bastante, mas pra ser ainda mais sincero, não me lembro até que dia houve amor. Eu pensei que nunca perderiam graças nossas bricandeiras, que todas aquelas briguinhas fossem passageiras, que os amores que não deram certo fossem simplesmente deixado de lado, mas não. Cada um foi construindo ao lado uma nova história que cresceu de uma certa forma que não sobrou espaço pra dividirmos uns com os outros. E eu tentei por tudo entender que a vida é feita de fases, mas eu não entendo quando começamos a nos desprender e deixarmos de sermos paródia de um seriado americano sem final feliz. Sem final.

Eu só queria saber se mais alguém dali se sentia como eu ou eu era único a sempre sentir e sentir e mais uma vez sentir. Sentir muito.

Só queria que soubessem que vocês foram embora com partes de mim. Não que eu não consiga continuar sem essas partes, mas é doloroso toda vez olhar e perceber que está faltando elas.

Queria de novo te encontrar ao acaso na fila do banco e ouvir falar de você me fazer perceber o quanto se assemelha a mim. Queria segurar sua mão para voltar para casa, como se nos protegêssemos ao fazer isso e encurtássemos o caminho. Queria pegar um ônibus e ir te visitar para juntos contarmos moedas para as bebidas. Queria te ver chorar, não que isso me faça bem, mas é que sei que continua chorando daí de longe e eu também, queria que novamente chorássemos perto. Queria te beijar escondido no banheiro e nunca saber se me beijaria de novo. Queria estar novamente com você, você e você também.

Ok! Não moramos mais tão perto, mas ainda estamos aqui.

E o engraçado é que tentar juntar todos é segurar areia nas mãos e vê-la escapando entre os dedos. E quanto mais apertasse, mais perderia. E vocês agora são esses grãos que vejo escapando.

Uma vez um amigo disse que maturidade se media pelo número de amigos. Pessoas mais velhas reduziam suas amizades a poucos contatos. Desde então nunca achei tão interessante envelhecer. Enquanto a maioria das pessoas tinham medo da velhice por causa da morte eu tinha por causa da solidão.

Foi então que decidi reunir todos no mesmo lugar para mais uma vez sentir que eu não estava sozinho.

Só que reunir todos era constatar que já não éramos mais os mesmos, era esfregar na cara que nada mais era igual e nunca mais seria.

Reunir todos era abrir a mão e perceber, defintivamente, que o mar já havia levado tudo. (Vinícius D'Ávila)

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Tuesday, March 01, 2011

A Menina do Caderno Verde



É engraçado, quando tento me lembrar do passado, não consigo me lembrar de muito coisa, nem de muitos amigos, mas me lembro de você. Nunca fui uma criança popular a ponto de ser lembrado pela sala quanto faltasse a aula, mas lembro que você já me esperava sorrindo no outro dia, dizendo que seriamos dupla nos trabalhos. Na verdade acho que nunca te dei a devida importância, porque não tinha noção disso, ou porque tinha tanta segurança no sentimento que tinha por mim. Não tinha maturidade para interpretar a finitude dos fatos.

Nunca consegui ter muitos amigos, mas eu tinha você. E enquanto tentava decifrar o que eu sentia, algo em mim me alertava que ainda não havia idade para sentir. O fato é que você é uma de minhas melhores memórias. Não que você seja a menina mais bonita que enfeita minhas lembranças, mas é a única que eu consigo lembrar com detalhes, como se ainda guardasse meu lugar com seu caderno verde sobre a mesa.

Nunca lhe perguntei porque chegava ao colégio tão cedo, assim como nunca perguntei se era apenas um colega de sala. Nunca tentei beijá-la.

Até que me avisou que iria embora e me deixou sem saber o que fazer. Eu não tinha noção de amor, distancias e despedir pra não mais se ver. Eu não tinha noção de perdas porque nunca havia perdido nada de fato. Como na nossa terceira série em que nossa professora morreu perto do fim do ano, e enquanto todos da sala choravam eu me beslicava por baixo da carteira porque simplesmente eu não conseguia chorar. Eu me achava insensível, mas hoje entendo que não era exatamente isso, eu já estava acostumado a despedir das professoras nos fins dos anos. Eu não sabia dar adeus.

Eu te tratei igual como em todos os outros dias, não prometi cartas, não disse que sentiria falta, não chorei. Eu não tinha maturidade pra me declarar quando você foi embora.

E ficou me olhando no último dia, como se esperasse que eu dissesse alguma coisa, mas eu não disse nada, que já não havia dito nos outros anos.

Na verdade eu só percebi mesmo que havia te perdido quando iniciou um novo ano e ninguém havia guardado um lugar para mim. E somos de uma época em que distancia era mesmo distancia. Não existiam redes sociais, promoções de celular, nem tínhamos idade para viajar sozinhos. E você sumiu.

Foi se tornando lembrança remota, enquanto te guardava em um lado bom do meu cérebro.

Então dez anos depois, em uma festa de réveillon te vi de longe. E sorri quando me viu também. Fiquei com medo de te abraçar apertado, mas não me reconhecer. Porque eu só entendi que foi minha primeira melhor amiga, meu primeiro melhor amor, depois que cresci e percebi que foi burrice não ter te guardado. Que o certo teria sido te enviar cartas, mesmo que eu ainda não soubesse usar selos.

E eu fui te dar oi de perto e percebi que não havia esquecido, mas eu já não tinha significância em sua vida. Disse que estava bem, mas não perguntou como eu estava. Pediu para mandar sinal de vida, mas não me disse como. Apresentou-me seu namorado e voltou a dançar.

Nesses exatos minutos corri para o banheiro e chorei como se fossemos ainda crianças e como se avisasse que iria embora. Chorei cada lágrima que não chorei quando partiu. É claro que a vodka ajudou, mas não sabe o quão doloroso foi pensar que perdi a oportunidade que poderia ter com você.

Enquanto eu me preparava pra ir embora, aceitando a idéia de que não saberia se seus cadernos eram sempre verdes porque sabia que eu amava verde ou porque tinha gostos idênticos aos meus te vi chorando sentada no estacionamento.

Sentei-me e conversei com você. Você não quis falar porque estava ali, mas pelo menos me contou da luta para escolher os sapatos e rimos tentando lembrar o nome das professoras.

E antes que levantasse e fosse embora de novo, criei coragem e perguntei como tudo poderia ter sido. Se eu confessasse todo meu sentimento, se eu não fosse imaturo, se você não tivesse ido embora, se quando pré-adolescentes eu tivesse me declarado, o que teria feito.

Foi então que ela me respondeu:

- Não posso te dar uma resposta, de uma decisão que não tive que tomar.

Levantou com a aproximação do namorado dela, segurou na sua mão e se despediu.

Ouvi algo pior do que qualquer sim, do que qualquer não e chorei. Chorei porque dessa vez entendi sua partida.

Chorei porque nunca mais te vi. (Vinícius D'Ávila)

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