Thursday, August 11, 2011

Sexta-feira


"Volta que eu te cuido e não te deixo morrer nunca." (Caio Fernando Abreu - Os dragões Não conhecem o paraíso)

Ela queria ser escritora, mas odiava quando alguém lia seus contos para dizer o quão seu interior era adolescente ou que suas palavras deveriam amadurecer já que agora ela já não era mais nenhuma menina, como se “Os três porquinhos” tivesse sido escrito por um grupo de crianças. Ela queria ser escritora não para receber elogios ou porque se achava boa naquilo, mas para deixar os finais da maneira que ela havia imaginado.

Na sua história o casal de jovens apaixonados viveria um clichê de felizes para sempre, mas na vida real seu namorado a largou sem muitas explicações.

A vida como ela gostaria que fosse se diferindo de como ela é.

E foi em uma sexta-feira, meses depois do fim, que lhe aconteceu algo que mudaria sua rotina.

Em uma espécie de quermesse achou graça de uma tenda cigana e resolveu entrar lá só por curiosidade, escritores são assim, já que não acreditava em nada daquilo.

Na sua história, a cigana lhe diria para seguir pássaros e provavelmente encontraria um jovem apaixonado de pássaros tatuados no braço ou iria dizer para prestar atenção em pipas e se apaixonaria ao esbarrar em um rapaz distraído lendo algum livro com a palavra no titulo.

Mas não.

A cigana lhe disse com olhar sério que ela morreria numa sexta-feira. E como duvidou que alguém profetizasse algo tão sério por brincadeira, estremeceu.

Parou de sair de casa as sextas, como se pessoas não morressem dentro de casa.

Mas ela era supersticiosa e cheia de manias. Voltava sempre pra conferir se havia trancado a porta sem nunca ter precisado já tê-la esquecida aberta.

E se para a maioria das pessoas as sextas são os dias mais amados por estar sempre antecipando um sábado e um domingo, ela amava apenas os dias seguintes pela distancia que teria de uma nova sexta.

Se sua vida fosse um de seus contos ela suicidaria a personagem em uma terça para surpreender o leitor, mas ela não era uma de suas personagens que ela facilmente matava, então foi sacrificando suas sextas por outros seis dias na semana viva.

Sexta após sexta foi vivendo sua esquizofrenia sem ninguém corajoso o bastante para surgir e tirar daquela prisão em formato de profecia e sem que também percebesse o quanto seus outros dias estavam perdendo a graça por respingos dos medos de sextas.

Até que uma de suas amigas insistiu e conseguiu tira-la de casa em uma noite de sexta clara. Explicou pra ela que era uma festa de casa, e casa por casa ela estaria novamente dentro de uma.

Claro que ela foi todo o caminho pensando que morreria atropelada, e talvez se sua vida fosse um conto assim morreria, mas meus caros leitores, eu não conseguiria descrever de como as idéias dissolveram de sua mente quando ela o avistou na porta.

Ela provavelmente ao chegar em casa iria tentar descreve-lo de como ficou sem ar ao se aproximar, mas nem em suas melhores histórias ela conseguiria transparecer ao leitor o que ela havia sentido, como se ainda não havia sido inventado um adjetivo que lhe classificasse.

Tentava não olhar para ele, mas eram tentativas em vão e se surpreendia quando percebia que ele também olhava em direção a ela. Não conseguia se achar verdadeiramente interessante para ele a ponto de concluir que aqueles olhares e sorrisos eram apenas simpatia gratuita e não demonstração de interesse.

Foi quando, depois de beber um pouco, precisou ir para a fila interminável do banheiro, dessas de um banheiro para toda a festa, e se surpreendeu com ele se posicionando logo atrás e puxando conversa.

Trocaram nomes, sorrisos e palavras que ela quase não percebeu que já era a vez dela.

Dentro do banheiro ela respirou e ficou em silêncio por alguns segundos para tentar não cair naquele encantamento até perceber quantas sextas prazerosas ela sacrificou por quartas e quintas tediosas? Se fosse pra morrer, que morresse, mas não passaria mais nenhum dia sobrevivendo a sei-la-o-que presa dentro de um quarto. Mas mais do que isso, ela percebeu o quão cruel ela havia se tornado consigo mesma, não permitindo se apaixonar ou se considerar atraente porque um infeliz a largou sei-la-porque.

Pensou como teria sido sua noite se não o conhecesse.

É claro que se fosse uma de suas histórias ela sairia e viveria toda aquela história comédia romântica americana, com direito a ele subir na mesa da sala e cantar alguma música ritmada para ela, gostos parecidos por cachorros e pedidos de casamento na parte de embarque do aeroporto.

Mas sua vida não era um de seus contos e ela estava certa que ele olhar para ela não significava finais felizes.

Depois minutos pensativos abriu a porta e se surpreendeu.

Sua amiga, a mesma que lhe convidou para ir ali, com os beijos mais quentes que já deram em sua frente, como se o mundo fosse acabar naquele momento e a única forma de sobreviver era beijando.

E não havia nenhuma pessoa no mundo benevolente ao ponto de ficar feliz pela amiga. Se vocês não iriam entender o que ela sentiu quando o viu, também não entenderiam o sentimento ao perceber que todos aqueles olhares eram na direção dela, mas não para ela.

E é claro que ela queria chorar, mas não chorou, em vez disso apenas esperou o final da festa quando reencontrou a amiga que dizia que havia sido divertida a noite, mas nem sabia se no outro dia iria ligar.

E ao ir embora junto com o sol foi nascendo suas lagrimas. Afinal, chorou por ser estúpida ao ver a amiga descartando a pessoa por qual ela sentia que poderia gratuitamente amar, chorou por ser cruel consigo mesma e não permitir que se apaixonasse, chorou pelas sextas sacrificadas, e chorou principalmente, por já não ser mais sexta e ela ainda estar viva.

Se fosse um de seus contos ela o reencontraria, mas era sua vida, e chorou.

Como aquelas milhares de pessoas que citavam trecho de seu escritor favorito sem nunca terem lido nada dele, chorou pelas milhares de história de amor que escreveu, sem saber se de fato teria vivido nenhuma delas.

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