Sunday, December 04, 2011

O Conselheiro do Rei





"Não importa o que eu diga, não importa o que eu faça, os mortos continuarão mortos"
(O Leitor - Benhad Schlink)

Depois das mortes consecutivas de duas rainhas o rei decidiu. Só iria se casar quando o seu reino estivesse pacificado. E caso se apaixonasse só se entregaria quando terminasse a guerra.

E se apaixonou.

Não perdidamente. Porque ele não teve contato suficiente com aquela plebeia antes de partir para o duelo. Viu ela de longe, anotou as informações e pediu que seus súditos descobrissem quem era ela.

E partiu.

Foram se conhecendo por cartas e não imaginou que sentimentos brotassem de palavras. Mas brotaram, tanto dele quanto dela. Sempre precisou de beijos e abraços para que se materializassem os sentimentos. Também não queria seus pensamentos distantes dali, vivendo uma vida que poderia não existir, sofrendo por dores que poderiam nunca chegar. Mas foi inevitável. Pelas coisas que ela dizia e escrevia, era ela que ele queria ao seu lado. Afinal, depois que ele a descobriu, pela primeira vez ele esqueceu das mortes de suas rainhas, por mais cruel que fosse esquecer.

E se entregou.

Tinha medo que suas cartas não chegassem, tinha medo de demorar tanto para retornar e a jovem desistisse de esperar, tinha medo que quando se beijassem, o ato desmentisse as palavras, que a boca não se encaixasse, que não tivessem assunto. Procurou seu melhor conselheiro para que lesse as cartas. Queria ouvir a opinião de alguém não influenciado por sentimentos. E o conselheiro disse o que ele acreditava. Ela também estava apaixonada.

E se confortou.

Daí em diante pediu a ele que levasse pessoalmente as cartas. Uma por uma. A cada volta ele não trazia apenas somente cartas. Ele trazia pequenas porções dela, com uma descrição perfeita de como a jovem era e dizia o quão sem medo ele deveria se entregar, pois facilmente se encantaria pela moça. O que preocupou o rei não foi a descrição da futura rainha, mas foi a empolgação com que o conselheiro a descrevia. Questionou se ele não estava se encantando também.

E negou.

Mas era visível. Ele podia tentar negar para si mesmo, mas para o rei era visível. O conselheiro chamava aquilo de “mente fértil do rei” que deixou de ser imaginação para ser realidade quando chegou junto com a carta, a notícia do beijo.

E estremeceu.

O conselheiro e a plebeia se beijaram. E o conselheiro não sabia dizer o que a plebeia sentia, mas queria uma resposta do rei. Que o condenasse a morte ou o libertasse para viver com ela. Ele não suportaria viver com a sensação de traição para aquele que ele prometeu servir. O problema é que o rei não conseguiu corresponder ao pedido de perdão imediatista do conselheiro. Pediu que lhe expulsassem do reino, mandou rasgar as cartas da jovem e chorou. Sabia que estava sendo egoísta em suas decisões, mas abençoar aquele beijo seria esperar muita benevolência de um só ser. Ainda que não soubesse a resposta da jovem sobre aquele sentimento, ter beijado quem lhe levasse as cartas já era a resposta suficiente que ele precisava.

E novamente chorou.

O conselheiro tomou então uma drástica decisão ao perceber que o rei não estava disposto a lhe dar o perdão. Preparou um copo de veneno e escreveu uma carta para se despedir. Antes de tomar o liquido que lhe daria a absolvição que não conseguiu com o perdão, desceu para guardar as cartas, uma para plebeia e uma para o rei. O problema foi que quando retornou ao local que havia deixado o copo, o rei acidentalmente já havia bebido.

E morreu.

E a história do rei terminaria ali. Não importa se as palavras da plebeia foram todas verdadeiras, se o beijo foi ao acaso, impulso, se o perdão dado seria sincero, se tiveram filhos ou se nunca mais se beijaram. Não importava o que veio depois, porque o final do rei não mais mudaria.

E aprendeu.

Assim como o conselheiro não poderia ser vilanizado por ter beijado, o rei não seria condenado por não ter perdoado.

Afinal, beijos possuem essa magnitude de serem dados sem intenção, mas perdão não.
(Vinícius D'Ávila)
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