Saturday, September 29, 2012
Malditos Olhos Azuis
Hoje sonhei com você. Sempre que sonho com você, você tenta
me beijar, mas sempre erra minha boca, e apesar de ser apenas sonho, acordei
com a sensação de ter tido os olhos beijados.
Ai refiz em minha mente o dia em que conheci você. Entrei no seu carro sem saber de fato seu nome
e me questionando quem nessa idade ainda escuta Zezé. Você já foi dizendo para
não reclamar da música, como se além de mau gosto musical, fosse intuitiva. Sentando
no banco de trás eu via seus olhos pelo retrovisor brincando de imaginar seu
rosto só de escutar sua voz. Não foi
assim, te ouvi e gostei, mas eu fiquei querendo que chegasse logo porque eu
queria descobrir se minha imaginação era compatível com a realidade, mas eu
também queria conhecer a dona daqueles malditos olhos azuis. A gente não tinha
nada em comum além do simples fato da amizade de meu amigo com seu namorado,
mas ai o destino nos colocou no mesmo carro.
Eu já te invejava, porque todos nós envelheceremos e perderemos a beleza com o tempo, mas seus olhos azuis serão bonitos sempre.
Quando chegamos ao bar eu tive sorte e você sentou em minha
frente. Tive que me concentrar pra não passar boa parte do tempo olhando para
seus malditos olhos claros. Pedi uma cerveja, porque fiquei com medo de
engasgar a língua ao tentar falar o nome de qualquer bebida difícil porque eu
estava tão hipnotizado que quase respondi "azuis" ao invés de "obrigado". Foi por
isso que eu ri sozinho, mas te disse que ri da sua escolha por vinho. Mas
convenhamos quem nessa idade escuta Zezé e sai para beber vinho? Depois de você, o azul se tornou a minha cor favorita.
O constrangimento se deu quando vocês começaram a se beijar
enquanto meu amigo falava ao celular. Fiquei sem saber o que fazer com os olhos,
com as mãos e com a boca. Resolvi fingir escolher algo no cardápio, assim
ocupava simultaneamente meus olhos e minhas mãos e fui logo colocando um
chiclete na boca para parecer entretido. O cardápio não era atraente e eu já
estava com saudade de olhar para você. Eu sabia que não era o certo, não queria acabar com a felicidade de
ninguém e eu só havia ido a sua cidade a passeio, se eu estava sendo cruel com
alguém por te desejar, era cruel comigo mesmo. Porque eu alimentava um desejo
que eu nunca poderia suprir. Um desejo sim, que eu poderia ter assassinado ao
descer do carro, mas eu sempre me achava personagem de comédia romântica depois
da segunda cerveja, e aquela, infelizmente, já era minha terceira.
Enquanto todos sugeriam um novo lugar você me sugeria uma
amiga para me apresentar. Rodava a agenda de celular e queria que eu fizesse
uma escolha baseada só nos nomes. Foi mais fácil escolher a cerveja, mas no
fim, escolhi. Ela era bonita e sorridente, mas tinha um grande defeito: ela não
era você. Beijei sim, beijei, mas tive a mesma sensação de quando era adolescente
e treinava beijos em maças. Só que quando abria os olhos era sua amiga que
estava ali. E assim acabou minha sexta.
Já com as passagens compradas para domingo de manhã, briguei
com meu sábado por ele não convidar você para fazer parte dele. A festa estava divertidíssima,
dancei um funk frenético e eu até chorei para despedir de algumas pessoas, mas
toda vez que tocava o interfone meu coração acelerava em combinação com meu cérebro
que juntos pediam: seja você. Desci para comprar cigarros e do vidro da porta
te vi. Tive vontade de ir cantando, mas meus amigos estranhariam tanta
felicidade só de ir comprar cigarros. Eu não era tão viciado assim.
E a história poderia ter terminado assim, que mesmo assim eu contaria a
todos que conheci uma menina na viagem e a personagem da história não seria sua
amiga que beijei, seria você. Há final
mais feliz que esse? “E eu esperava vê-la de novo, e no fim, eu vi.” Fim. Mas
depois da quinta dose de jurupinga, avisaram que estavam me chamando no quarto
e fui sem saber quem era e nem para que era. Confesso que imaginei ser
apresentado a alguém, que precisavam de ajuda para limpar vomito de algum amigo, procurar na internet novas
músicas para baixar. Mas era você, em pé me esperando, dizendo que precisava
fazer só uma coisa.
E me beijou.
Com uma mão eu te empurrava e com a outra eu te puxava mais,
mas a boca? A boca não parava nunca. E não importava o quão bom eu fosse, se doava
dizimo a igreja todos os meses, se dava meu lugar no ônibus a todos os
velhinhos, se não mijava na tampa do vaso e se havia devolvido para moça da
padaria o troco que havia me dado errado. Toda bondade que eu tinha e que um
dia poderia ter não era capaz de me impedir de te beijar. Porque sóbrio e em
casa eu responderia que não te beijaria. Mas ali era diferente, ali eu tinha
aquele sentimento dentro de mim e tocava Florence and Machine. Qualquer pessoa
se apaixona se beijar ao som de Florence. Maldita Florence, malditos olhos
claros, maldita jurupinga, maldita você.
Ouvimos um barulho,
paramos e sai correndo do quarto. Sentei nas escadas do prédio não me culpando
por ter te beijado, mas me culpando por não sentir culpa. E as vezes me
questionava se foi real ou foi fruto das doses de bebida e para tirar a dúvida
eu fui e bebi mais, mais e mais. Ai bêbado fiz inumeras coisas tentando não pensar em você: chorei recitando Carlos Drumond de Andrade,
sai para comprar bebida e agradeci com danças estranhas no posto de gasolina, tentei acordar um menino que roncava na sala achando que ele estava tendo uma
parada cardíaca, deitei no chão quando tive certeza que o beijo foi
real e adormeci, sabendo que enquanto isso vocês estavam trancados no quarto fazendo sexo.
Acordei já na hora de ir embora com meus amigos segurando
minhas malas e vi você de longe dizendo para mim: “Não foi a última vez que nos
vimos” e eu aceitei aquela despedida como uma promessa e prometi também a mim
mesmo. Não que eu depositaria em você a responsabilidade de ser o amor da minha
vida, mas eu te veria de novo em respeito ao seu beijo bom, porque eu de
verdade estava cansado em beijar maças.
Se você não me correspondesse eu iria te esquecer, se me
correspondesse, eu iria te esquecer, se ficássemos juntos, eu iria te
esquecer, se não mais nos víssemos eu iria te esquecer. Não era intuição, era minha
maturidade que me permitia prever o fim e eu sabia da finitude de qualquer sentimento dilacerador, mas eu queria tanto te beijar novamente sentindo aquilo que eu não
sabia o nome.
Você me pediu segredo, mas como eu poderia negar? Eu
dançaria tango no teto e todas as outras coisas que os engenheiros cantaram um
dia se você me pedisse, como não guardar segredo?
Atravessei dois estados inteiros pensando em você, no que seria
diferente se meu voo fosse só para depois de dois dias ou se tivesse sido um
dia antes. Pensando quanto tempo demoraria para eu te esquecer. Segunda fizemos
até uns falsos planos de visitas em datas impossíveis, mas era mais confortante
acreditar em nossas mentiras do que aceitar a verdade da distância. Até que seu
namorado me ligou dizendo saber de tudo e eu não tinha o que contestar, porque
eu era o errado da história e a raiva dele eu tive que ouvir. As ameaças não me
doeram nada. Doeu foi saber que você quem contou.
Você não atendeu quando eu liguei e me bloqueou nas redes
sociais. Sumiu sem eu saber o que houve e eu aceitei apenas que era mentira
todas as nossas conversas. Para mim foi uma história, para você foi apenas um
beijo, e no fim das contas, era você quem estava certa, infelizmente.
Eu alimentei toda uma teoria de conspiração, de ser apenas a
pimenta que faltava na sua relação, de ser um desafio realizado. Seu namorado
que foi traído, mas foi eu que senti ser o mais idiota dessa história toda, mas foi bom,
assim foi mais fácil te esquecer.
Sabe quando é verão e você sai na rua de camiseta e do nada
começa a chover. Você corre para procurar algum lugar coberto, porque você não
estava preparado e não quer se molhar. Você fica debaixo de uma arvore, sem
saber quanto tempo vai demorar, mas uma hora, repentinamente a chuva para e
você volta para o seu caminho.
Pois é, você foi minha chuva e apesar de hoje ter sonhado
com você, foi só um alerta interno para continuar, que eu já não mais podia me molhar e que enfim, você passou. (Vinícius D'Ávila)
Saturday, September 22, 2012
O menino que queria voar
"E o meu erro foi crer, que estar ao seu lado, bastaria" (Paralamas do Sucesso)
Eu adorava cuidar de passarinhos que caiam
do ninho, ainda que a maioria deles eu não conseguia fazer com que voltassem a
voar. Eu adorava super heróis que voavam, porque para mim, o primeiro passo
para ser herói era esse, saber voar. Nunca fui fã do Batman, inclusive na última festa de carnaval do colégio eu fui de Super Homem e quando o vento batia na capa eu poderia jurar que estava voando.
Eu sempre admirei quem soubesse voar.
Um dia eu cheguei tão triste em casa que me
tranquei no quarto para que ninguém me visse chorar, agradecendo a Deus a invenção das trancas das portas. Eu nunca tive problema em chorar,
mas não suportava a obrigação de ter que justificar para todos o que estava acontecendo. Porque contar o recém ocorrido duplicava a dor. Deitei na cama e olhei para o teto, enquanto
lentamente eu observava ele se aproximar.
No inicio até pensei que minha casa estava desmoronando, até que constatei que era eu que estava aprendendo a voar. Levitei alguns centímetros da cama e sentia que a
gravidade não tinha tanto poder sobre mim. Se eu ainda fosse criança, talvez até eu mesmo duvidasse do que estava vivendo ali. Se eu estivesse em alguma festa, ia confessar que havia bebido muito, mas não, eu estava voando. O vento que entrava pela janela agora parecia tão prazeroso quando na época do carnaval no colégio.
E dessa maneira segui minha vida, quando
estava sozinho eu voava, quando eu acordava pra ir a faculdade eu voava, enquanto via TV eu voava,
quando chorava eu voava. E principalmente assim, quanto mais triste me sentia, mais alto
eu poderia voar, como se a felicidade me grudasse ao chão e a dor me levasse ao
céu.
Sempre que perdia um amor eu voltava voando
para casa. E foi um dia voando para casa que a encontrei me seguindo com os olhos pelo céu. Tudo bem que poderia
ser apenas uma curiosidade ao me ver passar, mas no dia seguinte ela estava na
sala da minha casa tomando café com minha irmã.
Nunca pensei que poderia me apaixonar por alguém só de vê-la tomando café, mas eu me derretia até na mania dela ficar virando o pé e da tatuagem tribal na perna. Ela me olhava como se pedisse "por favor, voe para mim". E ai pronto. Eu me apaixonei por confessar que também era apaixonada por tudo que
sabia voar. Logo, presumi que estivesse também se apaixonando por mim.
O problema é que quanto mais ficávamos, mais baixo eu voava, porque eu comecei a experimentar a felicidade até
então não conhecida. E quanto eu menos sabia voar, menos era atraente aos olhos
dela. Cai por vezes dentro de meu próprio quarto. E eu percebia que se continuasse com ela desaprenderia
logo a voar, mas entre meus dois sonhos,
eu a escolhi.
Tinha medo de confessar isso a ela e ouvir em resposta um "eu não te amo mais", que significaria na verdade um "eu nunca te amei". Até que numa sexta que era pra ser feliz, ela reuniu muitos de seus amigos, na
cobertura de seu prédio e disse:
“Anda amor, voe para eles verem”
Eu queria pedi-la para parar de me chamar
de amor, porque me chamando assim eu seria mais feliz que protagonista em fim de novela e no fim eu me espatifaria no chão se tentasse voar. Ela já aflita com minhas negações me direcionou um olhar de desprezo que certificou muita duvida dentro de mim. Comecei um conflito interno sobre o
quanto ela realmente me amava e tudo que sentia por mim. Que ela realmente amava minha
capacidade de voar, mas não me amava em terra firme. Talvez tivesse um orgulho
por mim, mas não chegava a ser amor. Ai senti uma daquelas pontadas quando o
telefone toca de madrugada e você acorda assustado porque sabe que é noticia
ruim. Soltei a mão dela e corri em direção a sacada, me preparando para pular
mesmo que terminasse no chão, mas aceitando que ela nunca me amaria na forma como eu a amava por mais que eu até a ensinasse a voar . E quando pulei, não cai, pelo contrário, surpreendentemente voei mais alto do que um dia pude
imaginar.
Naquela noite despedi do amor da minha vida, mas incrivelmente, sobrevivi. Pulei daquele prédio achando que morreria por causa do amor dela, mas perde-lo me fez voar ainda mais. (Vinícius D'Ávila)
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