Saturday, November 10, 2012

Apaixonado em todos os sentidos


"Andei sonhando um pouco, também. Ainda não é proibido, mas tem um preço. Depois andei tentando não sonhar, mas isso também tem um preço. Não tenha expectativas, me disseram. Fiquei tentando não ter expectativas - essa coisa que amolda e desenha o futuro? Me pareceu tão seco."
(Caio F. Abreu in Despedida provisória - A Vida gritando nos cantos)


Foi o olfato meu primeiro sentido a ser conquistado. Abri as portas de casa e fiquei me perguntando se havia loja no mundo que vendia um perfume tão bom ou era meu inconsciente e destino trabalhando juntos para que eu gostasse de você. Foi ai que me tornei um pouco João e Maria, só que ao invés de migalhas eu seguia seu perfume e ao invés de floresta encantada eu morava no mesmo prédio que você.

Agora era a vez dos meus olhos. Nos trombamos na escada e meu nariz avisava a todo corpo que era você, eu baixei meus olhos e te fiz pensar que era medo de tropeçar, mas o medo era de me perder em você.

E a partir dai nossos caminhos foram se cruzando tantas vezes por dia que eu passei acreditar mais em Deus. Morávamos no mesmo prédio, malhávamos na mesma academia, estudávamos na mesma faculdade, mas nem sabíamos o nome um do outro. Certa vez, enquanto malhava, você deixou sua ficha próximo a mim e foi beber água. Li seu nome fingindo que amarrava o tênis e antes de comemorar me questionei do que adiantava ter essa informação a não ser te acrescentar em minhas orações. Mesmo sem querer eu já sabia tanto de você.

Eu sabia que você morava um andar acima do meu e apesar de terem quatro apartamentos, cada um com outros quatro quartos, eu gostava de acreditar que o seu quarto era o de cima do meu. E eu escutava o nheco nheco de sua cama em algumas sextas durante a madrugada te odiando por não ser eu. Ficava me perguntando se era sexualmente promiscua ou se tinha alguém. Mas nunca te vi de casal, sempre em grupos ou sozinha, o que fazia a primeira opção ser mais real.

Eu achava sua vida tão interessante escutando você falar com sua amiga do seu dia enquanto pedalava naquela bicicleta que não saia do lugar. Meus ouvidos também já estavam apaixonados, mas ele me trazia a realidade que sua vida era interessante demais para me permitir entrar.

Eu tinha uma vida mais rotineira, almoçando sempre no mesmo lugar e até assustei quando vi você entrar. Não havia mais mesas disponíveis e você me perguntou se eu me importava que sentasse ali. Eu quis responder que me importaria se não sentasse, mas apenas olhei e te disse sim. A nova garçonete daquele dia sorria tanto ao nos atender que eu me perguntei se ela recebia pra ser gentil assim. Ninguém sorri tanto de graça.

Eu nunca peço nada para beber, mas ai pedi suco de abacaxi com hortelã para soar mais interessante. Sempre admirei pessoas que combinavam sabores. Com gelo e sem açúcar. Bendito sejam os inventores dos adoçantes, nossos dedos se cruzaram quando eu passei para você adoçar o seu. E me perdoe os outros sentidos, o tato foi o melhor deles, se era possível sentir prazer com toque das pontas dos dedos, imagina o corpo inteiro?

Conversamos tanto durante o almoço que deixei minha comida toda no prato, medalhão nenhum superaria o prazer de conversar com você. E você não imagina o quão eu gosto de medalhão. Passei tantos tempo observando você que já te via como um personagem inatingível, que naquele almoço ali eu permiti alimentar a esperança do meu paladar de também te conhecer.

Estranhei quando percebi que aquela garçonete que nos servia, não sorria tanto para as outras mesas. Ela atendia todos com uma invejável cordialidade para quem trabalha em pé durante todo o dia, mas ainda sim, sem sorrir tanto.

Foi então que o espelho por trás do balcão me deu a razão. O sorriso ao nos atender era só resposta. Quem sorria grandioso daquele jeito era eu. (Vinícius D'Ávila)
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