Friday, February 15, 2013
A carta que eu lhe prometi
"Amar o perdido
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão."
(Carlos Drumond de Andrade)
Não estou querendo forçar nada, mas todos os aplicativos de redes sociais te apontam como a pessoa mais próxima de mim. Meus melhores amigos também concordaram, eu não sou tão legal para você me ligar tanto assim. Eu não entendo de moda, mas você quer porque quer que eu decida a sua roupa de sair. Você quer minha opinião sobre o seu futuro, e eu nem sei o que vou almoçar amanhã. Você quer que eu ajude nos seus romances, mas diz que tem vergonha de beijar alguém na minha frente. Você me pede em casamento, mas nem me beija quando eu digo que vou embora.
deixa confundido
este coração.
Nada pode o olvido
contra o sem sentido
apelo do Não.
As coisas tangíveis
tornam-se insensíveis
à palma da mão
Mas as coisas findas
muito mais que lindas,
essas ficarão."
(Carlos Drumond de Andrade)
Não estou querendo forçar nada, mas todos os aplicativos de redes sociais te apontam como a pessoa mais próxima de mim. Meus melhores amigos também concordaram, eu não sou tão legal para você me ligar tanto assim. Eu não entendo de moda, mas você quer porque quer que eu decida a sua roupa de sair. Você quer minha opinião sobre o seu futuro, e eu nem sei o que vou almoçar amanhã. Você quer que eu ajude nos seus romances, mas diz que tem vergonha de beijar alguém na minha frente. Você me pede em casamento, mas nem me beija quando eu digo que vou embora.
Eu sei. Você brinca de querer se casar comigo. E eu
confesso, brinco também com diversas pessoas e já até distribui alianças de
papel por aí, mas não com alguém que assumidamente diz gostar de mim. Como num
ato cruel de alimentar um ser só ao ponto de mantê-lo vivo, mas não de mantê-lo
em pé. Minha cabeça se confunde entre meu papel de amigo e minhas
obrigações de namorado.
Você foi minha paixão a infância. Eu não tinha coragem nem
para beijar na boca, mas quando fiquei mais velho compreendi que aquela
proximidade exacerbada não era só amizade. Era um amor pueril, sem conotação
sexual, sem pretensão de casamento, sem intuito de se tornar real, mas ainda
sim amor de homem para mulher.
Talvez as pessoas que me vêem hoje não imaginam o ser
anti-social que fui quando criança. Eu tinha pavor quando algum amigo de escola
pedia para ir em casa depois da aula. Como que se eu guardasse segredos de
liquidificador eu inventava mil desculpas na esperança que desistissem, e no
fim, todos desistiam. Nunca recebi visitas, nunca reuni para trabalhos
escolares em casa, nunca compreendi o porque eu era assim. Até que numa manhã
você me visitou de surpresa e quebrou toda minha falsa proteção do mundo.
Talvez por isso você seja a minha lembrança de amizade mais remota. Quando você
se mudou eu era jovem demais para pedir que ficasse e sempre me imaginava numa
versão paralela de um mundo em que você não partia. Sempre me questionei se nos
amaríamos quando chegasse a idade correta.
E você voltou. Coincidentemente nossos planos se cruzaram
como se fosse o destino me alertando que era realmente para ficarmos juntos.
Você não estava como nas minhas memórias, nem no corte de cabelo. Estava
melhor. Você estava mais interessante. Bonita, se vestia bem, entendia de bons
perfumes, escutava Florence e tinha um futuro promissor. Como não querer alguém
assim? A gente tinha uma afinidade surpreendente que nem os mais
próximos conseguiam explicar como nos ligávamos tão intimamente, mas não dávamos
um passo a frente.
Minha colega de sala dizia que você gostava de alguém, ela
era ótima para ler comportamento sexual. Meu irmão me jurava que você era
lésbica, ele tinha duas amigas assim. Minha mãe tentava explicar que era tudo
falta de maturidade, ela sempre foi racional ao analisar os fatos. Meu melhor
amigo dizia que você tinha medo e dizia te compreender, por ser assim
também. Meu primo profetizou que iríamos
nos casar e ele seria o padrinho. O menino do prédio em frente ao meu falou que
eu precisava conhecer novas pessoas. O Dr. Love da estação de rádio da
faculdade dizia que era amor, mas ele nem nos conhecia.
Criei uma obsessão por você maior do que qualquer
sentimento. Era a pessoa perfeita para mim e tínhamos toda aquela afinidade já
dita. Então mesmo após todos os seus insistentes não’s, repeti infinitas vezes
sim’s, tentando dar vida a criaturas que não existiam.
Fiquei tão obsessivo que não vi o sentimento morrer dentro
de mim. Você sempre cheia de provas da faculdade surpresa e viagens inesperadas
para a cidade de seus pais. Você que me fazia esperar a semana inteira para
sairmos na sexta, mas que desistia por desculpas tão banais, não respeitando
meu sofrimento de espera. Você que todos os meus amigos conheciam ou sabiam
quem era, o que era e de onde era, e eu? Dizia estar sozinha quando te ligava,
e na verdade estava comigo. Você que sofria por um defeito no seu ar
condicionado, na sua feliz vida onde nunca se perdia nada, achando que eu não
compreenderia seu sofrimento e se esquecendo que eu não tinha nem ventilador.
Você que disse me querer ao seu lado em sua formatura, mas que o convite nunca
chegou.
Morreu. Primeiro o sentimento, depois a obsessão, o carinho,
a vontade de estar junto e por fim a consideração.
Já quis tanta coisa na minha vida e depois percebi que não
eram para mim. Já quis ser nadador, escoteiro, dentista, já quis morar no
bairro da minha avó, tatuar trecho da musica dos Beatles, colecionar moedas. Já
quis participar de um reality show, fazer plástica no nariz, ver um filme por
dia, ler um livro por mês, já quis você.
Quando abrimos uma porta para alguém, fechamos diversas possibilidades
para o mundo inteiro. E sinceramente, não vejo pontos positivos em deixar um
espaço para você. Hoje em dia não preciso de você para me acompanhar na volta
para casa, nem mesmo para esquentar os meus dedos do pé no inverno. Porque até o
tempo resolveu me ajudar e decidiu fazer calor o ano inteiro. (Vinícius D'Ávila)
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