Thursday, June 07, 2012
O mais feliz que eu poderia ser
Era pra eles se conhecerem.
Eles estudavam no mesmo colégio, mas em turnos diferentes. Por
preguiça de acordar cedo, ele optou estudar a tarde. Ela ia ao colégio no
mínimo duas vezes na semana no horário vespertino, mas ficava tempo demais na
biblioteca, limitando as chances de se trombarem, pois o tempo em que ele não
estava na sala de aula, estava na quadra jogando futebol.
Se ela assistisse qualquer partida por mais de 5 minutos, se
apaixonaria por ele, mas os rápidos segundos que olhava não conseguia nem
distinguir quem era de qual time. Se ele não se concentrasse tanto no jogo, se
apaixonaria enquanto ela passava ao fundo e provavelmente erraria o gol.
Era pra eles se beijarem. No aniversário de 15 anos da ruiva
da oitava B. Se o pai dela não tivesse chegado em casa tão atrasado. Afinal, estava arrumada
desde as 22:00 e conferindo sempre se o perfume não havia saído, eles só foram
sair de casa quase duas horas depois. Ainda demorou alguns minutos na porta com seu pai dizendo como sua filha estava linda e se desculpando pelo atraso. Que a festa
só começaria agora que a menina mais bonita havia chegado. Mas não. Ele chegou
bem mais cedo e além de bêbado, já estava com alguém quando ela entrou. Se
esbarraram depois da valsa, mas nem puderam olhar direito um para o outro, ela
estava agora acompanhada. Ele iria vomitar.
Era pra eles terem namorado. Mas por um ponto e meio, ele
não passou para a federal e foi estudar em uma particular. Seriam da mesma sala
e iriam ficar surpresos como estudaram tanto tempo no mesmo colégio e nunca haviam
se visto. Teriam assuntos em comum. Trabalhariam juntos nas barracas das
festas, e naturalmente iria acontecer.
Era pra eles terem ficado juntos. Mas ela desistiu de ir a
festa junina da sua faculdade para estudar para última prova do semestre. Ele
prometeu que seria sua última festa, pois queria economizar dinheiro para
comprar um carro. Eles iam para faculdade de metrô, mas ela preferia ir sempre
no primeiro vagão, enquanto ele chegava sempre atrasado, pegando o último. Mas
de qualquer forma, ela gostava de ir lendo, ele preferia ir dormindo.
Era pra eles terem comemorado juntos. Formaram no mesmo dia,
e mesmo com amigos em comum na sala um do outro, cada um ficou preso em sua
respectiva cerimônia.
Era pra eles terem se casado. Era pra ele ter sido atendido
por ela depois daquele acidente de carro, mas semanas antes ela mudou de
cidade, para um lugar que pagava melhor. Era pra ele ter levado sua mãe na
rodoviária no mesmo horário e ficar conversando com ela enquanto o ônibus dela
não chegava, a ponto de fazê-la desejar rapidamente voltar. Mas ele pediu seu
irmão que a levasse, pois não queria perder o fim do filme. Era para terem se
conhecido alguns anos depois, quando ele também mudou para o interior, mas ela
já estava casada e quase não saia mais.
Se tivessem casado, compartilhariam a idéia de ter apenas um
filho, e dariam o nome de Maria Flor. Mas ela teve duas filhas que chamou Maria
e Ana. Ele teve apenas uma e a chamou de Flor.
Dentro deles havia a pontencialidade de se amarem. De
desenvolverem um amor que ciúme, distância ou rotina nenhuma destruiria. Ela o
amaria se assistisse mais de 5 minutos de uma partida, pois depois
daquele momento, passaria a ver jogos inteiros, e beijá-lo em uma festa solidificaria
o sentimento que já não seria apenas adolescente. Ele a amaria se tivesse ao
menos durante uma semana inteira chegado cedo na estação, pois ficaria
intrigado por aquela menina que a cada dia lia um livro diferente e iria tentar
conversar. Era para eles trem sido reis, heróis e amantes. Era para eles terem
sido infinitamente felizes, não que não foram, mas tinham a tal pontencialidade
de serem ainda mais.
Ele morreu em um acidente aos 35, meses depois que voltou
para a capital. Sem nunca sair do interior, ela se divorciou aos 38 e nunca mais casou.
Viu a foto dele no perfil de uma rede social de uma amiga,
que o homenageou cinco anos depois da sua morte. Parou observando a foto, como
se conhecesse ele de algum lugar, mas não lembrava de onde. Com uma sensação no
mínimo estranha de que haviam sido muito íntimos em outra vida, se acreditasse
em reencarnação. Com o gosto de chorar sua morte, mas parecer maluca, pois nem
o conhecia. Do triste destino das duas pessoas que nasceram para ficarem juntas,
mas nunca se notaram.
Como se soubesse que era pra naquela noite estarem juntos no cinema, ao invés de deitar sozinha e ir dormir mais cedo. (Vinícius D'Ávila)
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