Friday, January 04, 2013
Layka
Sua mãe era pinscher, seu pai yorkshire. Herdou a
altura da mãe e uma tentativa de pelos do pai, o resultado de pouca beleza,
talvez tenha sido o motivo de ter sido a primeira a ser dada. Minha mãe sempre
achou nossa casa pequena demais para ter cachorro, eu e meus irmãos pequenos
demais para termos responsabilidades, cachorros atentados demais para nossa
casa arrumada. Com 12 anos de idade eu achava que ela nunca mais mudaria de
ideia até vê-la chegando com aquela filhotinha enrolada num pano. Ela era tão pequena,
que não era de espaço que ela precisava, era de cuidado. E por mais que fossemos desatentos naturalmente aquele novo membro da família nos tornaria mais velhos.
Foi batizada como pipa em homenagem a uma mulher da tv, mas mudaram para Layka quando concluíram que pipa era nome estranho para cachorro.
No dia em que chegou, fiquei sentado no quintal por mais
de uma hora, observando-a e esperando que ela comesse a comida ou brincasse com
os brinquedos, mas ela nada fazia. De dentro da sua nova casinha, esperava,
desconfiada, procurando por seus pais e irmãos. Só quando me escondi que ela
saiu e foi aos poucos se acostumando com seu novo lar. E a gente se acostumando a ela.
Foi a única cachorra que tive, mas
para mim era diferente dos demais. Ela tinha uma necessidade
de carinho absurda e nunca latia ninguém, a não ser cavalos quando passavam na
rua. Parecia amar todas as pessoas instantaneamente, umas um pouco mais que
outras, como a manicure de minha mãe que ela já sentia sua chegada da esquina.
No começo ela ficava presa lá fora
e em alguns momentos do dia ganhava acesso a casa. Aos poucos foi conquistando
a todos e a tabua que a trancava no quintal foi jogada fora dando a ela um livre acesso. Meu tio a apelidou de fortuna, pois um dizia que ganharíamos muito dinheiro com a beleza excêntrica dela. Meu amigo a apelidou de zumbi, pois
falava que ela parecia cachorro de filmes de mortos vivos. Ninguém a achava
bonita, mas todos a amavam. Layka era tão
dócil, e de tão dócil era impossível não chama-la de laykinha, e ficou assim, no diminutivo. Era a forma mais prática de dizer que a amávamos e ela entendia.
Dez anos depois, quando fui embora da minha cidade natal, eu tinha
medo de ser esquecido pelas pessoas ou de chegar aqui e nada mais ser o mesmo, por isso em todas as visitas ela
era a primeira a me receber na porta e eu sorria por acreditar que tudo estava
igual. Ontem Layka se foi. Cheguei em casa no fim da tarde e meu irmão assustado me pediu para correr ao quintal e fazer algo por ela. Ela sem forças para levantar, estava deitada no chão. Rodou a cabeça para me colocar em seu campo de visão dando umas piscadas lentas como se me pedisse ajuda. Eu tive meu maior momento de impotência naqueles segundos da transição entre descobrir o que fazer e entender que nada podia ser feito. Eu com meus 25 anos, passei mais
tempo da vida tendo ela, que sem ela. As vezes, ouço algum barulho e ainda olho
para porta esperando ela entrar, e eu mesmo preciso me lembrar que ela não está
aqui. Chegou o momento de reaprender. Reaprender a despedir. O mais triste
ainda, é que nas próximas visitas em casa, ninguém vai me receber correndo na
porta e eu não terei mais o conforto de saber que as coisas estão em seus
lugares. O fato é, que agora sem ela, elas realmente não estão.
(Vinícius D'Ávila)