Sunday, September 16, 2007

Um copo de veneno, por favor!





21:00.
Era ela. No lugar certo e na hora certa. Conferiu no livro. “Cinderela (...) bla bla bla (...) depois de um encanto (...) bla bla bla (...) meia noite (...) príncipe.”
- Mas, cadê ele?
Ela era a Cinderela. A fada já havia enchido a cabeça dela de conselhos chatos e lições de moral. E ela já estava com os sapatos! Aqueles sapatos! Precisavam mesmo serem feitos de cristal? Apertavam e faziam seus pés suarem. O que ela não entendia, além de como a fada voava, era por que o feitiço durava só até meia noite. Afinal, todas as outras princesas eram felizes para sempre e e a beleza dela tinha tempo determinado. Boba. Deveria ter lido o final. Mas bem que a fada, que se achava a dona da verdade e talvez realmente fosse, alertava.
- Cuidado! Não vá se apaixonar muito depressa. Hoje em dia os príncipes estão cada vez mais complicados.
22:00.
E estava lá ela. No dia e horário marcado. Com uma carruagem em forma de abóbora, tirando assim todo clima de romance.
- Não poderia ser uma maça?
- A maça já é da Branca. E você não iria querer. Ela está envenenada.
Seu vestido estava perfeito, parecia ter sido feito pra ela. E foi. Seus cabelos, cheiro e sorriso pareciam ter sido perfeitamente combinados por uma formula mágica. “Ele deve estar se arrumando. Ele não tem uma fada.” Resolveu cantar para se acalmar.
23:00
E seus pés começavam a suar, enquanto ela reclamava por ser tão ansiosa. Segurava com a força que podia aquelas lagrimas que insistiam em sair. Ela era orgulhosa e não iria se abalar por pouco. Mas ela já tinha planejado tudo. O que diria e o que faria. Planejou passo a passo em seu intimo. Depois de tantos conselhos havia se conformado com a ideia de ser dele apenas por uma noite. E ia faze-la especial. Mas...
23:40
Cadê ele? Ela lentamente retirou seus estúpidos sapatos de cristal. Estúpidos! Porque mesmo que chegasse, não daria tempo mais de nada. Estúpidos! Nunca gostou tanto de uma palavra. Arremessou tão forte contra a parede que agora nem era mais possível contar os cacos. E apertou com tanta força aqueles cacos que tornaram suas mãos vermelhas. Suas lagrimas, agora incontroláveis, borravam sua maquiagem e ela gritava e gritava rasgando aquele vestido que lhe fazia parecer uma idiota. A chuva que poderia estar tornando tudo tão belo, estava tornando a cena trágica. Bagunçou seu penteado e parou alguns segundos ao notar. Nem precisou ser meia-noite. Ela já estava um lixo. Já era um lixo. Estúpido! Idiota! Se questionava a todo instante: "Será que possível alguém esquecer antes mesmo de conhecer?" Efêmero! Entendia ela agora, não era o seu feitiço que durava pouco, era o amor nos dias atuais. Não precisaria daquilo depois. Na verdade, nunca nem precisou. E como numa tentativa frustada de salvar o fim da sua história, ainda ali pensou, se a fada não havia se confundido e a maça não fosse realmente para ela. (Vinícius D'Ávila)