Friday, October 26, 2007

Perverso




Todos gostavam dela e com ele isso não poderia ser diferente. O mundo inteiro a classificaria como moça bonita, sem contestação. Ela possuía aquelas belezas de te fazer prender a respiração, de perder o dinamismo no olhar, de se sentir inferior automaticamente como se fosse impossível algum outro ser vivo alcançar tamanha beleza. De se apaixonar de imediato, sem precisar ser adolescente para isso.
Mas ela nunca se apaixonava. Acho que o principal problema das pessoas muito bonitas é justamente, elas saberem que assim são. Mas todos de um jeito ou de outro, precisavam no fim esquece-la.
E foi assim que ele acabou se cansando das pessoas muito belas. Elas sempre acabavam se transformando em arrogantes e cansativas. E a beleza deixava de ser convite para ser passagem.
Realmente seria difícil ela se apaixonar. Com todos aqueles pretendentes que pareciam tão interessantes e divertidos, porque olhar para ele? Restava-lhe fechar os olhos e lembrar dos beijos. E bastava lembrar dos beijos para saciar sua vontade. Se fechasse os olhos repetidas vezes no mesmo dia, poderia jurar que esteve naqueles momentos com ela.
E com o tempo cada vez menos a via. E apesar de saber que ela não o amou nem nunca o amaria, era perceptível que com ele algo era diferente. Pela intensidade da força que apertava a sua mão quando sentia medo, ou pelo posicionamento de seu rosto quando deitava no ombro dele para chorar por alguma perda.  Ele não havia conseguido conquistar o posto de amor da vida dela, mas estava em um espaço insubstituível, na galeria de melhores amigos. Pois a viu despedindo de todos com abraços, mas só para ele disse que sentiria saudades. Conquistou não o amor que esperava, mas ainda sim era uma conquista. Ela foi embora, mas nunca mais ligou.
Até que em uma noite de terça, ou segunda, daqueles dias que você já acorda cansado, o telefone tocou. Demorou perceber que era ela devido ao tempo sem se falarem. Se questionava o quão entendiante estaria sendo o dia dela para ela ligar ou se foi avisada por seu sexto sentido que ele havia conhecido uma nova garota.
E de tão bem se conhecerem, ambos notaram que havia uma mudança. Ela notou o interesse dele nessa nova garota, e talvez até mesmo por ciumes de amiga foi arrumando defeitos para tirar sua faixa de futura namorada perfeita. O cheiro de ciúmes era facilmente notável e apesar dele não gostar daquela nova garota, nem um terço do que já havia gostado dela, esse sentimento era capaz de faze-lo mais feliz.  Quando a criatividade para novos defeitos acabaram, eles desligaram. Ele nunca havia usado um tchau tão sarcástico, vendo-a desligar o telefone incomodada, acreditando ser de luto pelo coração que havia perdido. No fundo, ele ainda nem sabia se conseguiria amar aquela novata, e tinha certeza que se não conseguiu ser gentil pelos amantes que foram, deveria ser pelos amigos que ainda eram. Mas talvez ele estava se tornando perverso, pois naquela noite, depois daquele telefona ele conseguiu dormir com um sorriso no rosto. Um sorriso maior do que o de quando a conheceu. (Vinícius D'Ávila)