Thursday, November 01, 2007

Entre Risos e Silêncio




A menina que há anos eu não via, dos cabelos vermelhos e de anéis nos dedos, que compartilhava comigo  quedas da cadeira e lanches nos intervalos de aula, me abraçou tão forte que deixou seu perfume em mim. Queria noticias do passado e das pessoas que ficaram por lá. No passado. Dos antigos colegas até os mais  íntimos que um dia já tivemos em comum. E depois de falarmos sobre quase todos, foi o final do menino tímido que a surpreendeu. Ele havia sumido. Desaparecido. Sem sequestros e sem partir. Isso mesmo. Foi ficando transparente e cada vez menos visível.
Ele era diferente dos outros daquela sala. E naquela idade não era perdoável ser diferente, por mais que se  olhássemos de perto, todos nós fossemos. Fazendo assim da sua timidez, uma agonia ao enfrentar em silêncio todos aqueles risos. E foi assim que eu descobri que nem todo riso era bom. E eu com toda mistura de egoísmo e incompletos 14 anos de imaturidade, também me mantive em silêncio. E foi novamente assim que descobri que nem todo silêncio era igual. Se o meu era de indiferença, o dele era de tristeza. Minha consciência já se encarregou de me culpar no questionamento incessante se eu realmente não poderia ter feito nada. Assistindo aquele julgamento por ele ser apenas diferente. Definitivamente ele não era nem parecido com os outros da nossa sala. Graças a Deus. E nunca seria.
Eu me permitia aproximar enquanto ninguém olhava, mas em público eu mantinha uma certa distância. E foi assim que ele me mostrou todos os planetas bem de perto.
Ele não desapareceu subitamente. Foi ficando transparente aos poucos. E o mais estranho do que ir se tornando translucido, é o fato de ninguém ter perceber. Ou os poucos que viam fingiam, assim como eu, não notar nada. E se eu soubesse que aquela vez seria a ultima vez que eu o visse, não teria o cumprimentado apenas com os olhos. Teria dado um abraço e agradecido por ter me mostrado os planetas, mesmo que o patio inteiro parasse todas as atividades só para olhar para gente.

Até que um dia ele sumiu completamente.

E todos se comportavam como se ele nunca tivesse estado ali. Como se não houvesse uma cadeira vazia na sala. Como se a chamada sempre saltasse o número 23. É claro que para alguns ele nunca realmente esteve e confesso que eu também demorei a perceber. E quando realmente entendi que nunca mais o veria, faltou-me o ar e as palavras. Apesar de triste é a verdade, aquele que deveria viver para sempre, desapareceu no tempo. O mundo de fato não é todo cruel, mas ele não teve tempo para aprender isso.

E minha amiga dos cabelos vermelhos ficou atônita. Chocada com tudo que eu havia lhe contado ou com remorso por também não ter percebido. Visivelmente ficou sem ar e sem palavras e talvez seja por isso que não disse nada. Em luto pelas coisas que poderiam ter sido feitas, mas não foram. Por não poder naquele instante desaparecer. E por no fim dizer o que  demorei criar coragem para dizer. Nunca fomos iguais. Nem nunca seriamos. Ainda bem. (Vinícius D'Ávila)