Thursday, September 11, 2008

Um Par de Brincos de Cristal



Era ela ali. Se recuperando das inúmeras noites sem dormi. Passou toda a vida a espera de uma historia que não aconteceu. Ela era a cinderela, esteve no local e na hora certa, mas pra um príncipe que não apareceu. Por diversas vezes conferiu o livro pra descobrir no que havia errado, mas isso só gerava mais raiva da fada que havia sumido junto com sua esperança de felicidade.
Agora com seu novo par de brincos de cristal, resultantes dos cacos de seu velho sapatinho que foi quebrado no dia da decepção e saiu para recomeçar a vida. Pegou o seu passado assim como os restos dos cacos do sapatinho e jogou fora. Partiu como se fosse frágil.
Arrumou um emprego num bar de uma cidade vizinha. Um daqueles bares com sino na porta que tocava sempre que alguem entrava, e um relógio de cuco atrás do balcão. Não era aquilo que chamava de felicidade, mas pra quem nunca havia sido feliz, qualquer coisa estava bom.
Foi lá também que conheceu sua nova futura melhor amiga. A Branca. Estava ali pelo mesmo motivo, apesar de ser por conseqüência diferente. Ela havia se entediado do sete anões. Cansou daquela mesmice e assim como Cinderela foi em busca de mudança.
E se divertiam falando do passado, e em algumas terças saiam a noite pra dançar e jogar boliche. E apesar de toda mudança ela não conseguia se esquecer do dia que a fada surgiu e lhe prometeu um mundo de felicidades, é claro que lhe deu muitos conselhos e avisos de perigo, mas ela pensou que seria fácil. Achou que seria mais emocionante sair de casa em busca de aventura. Mas não foi. Pensou como se fosse prática.

E foi o toque do sino que um dia a marcou. Ao entrar pela porta ela pode reconhecer o príncipe que nunca havia visto. Por impulso se jogou em baixo do balcão e conferiu nas gravuras do livro só pra ter certeza. Era ele mesmo. O seu príncipe.
“O que está fazendo ai em baixo?”
“Ele consegue ser mais bonito ainda pessoalmente.” Disse ela com a boca tremula em resposta a pergunta da amiga Branca.
Entre o primeiro pedido de café e o primeiro beijo não demorou muito tempo. Nem demorou a fazerem juras de amor. Branca e todas as outras pessoas notaram a mudança em cinderela. O atraso da chegada do príncipe em sua vida não diminui a felicidade que ela estava predestinada a ter. E apesar de sua grande insistência em se chamar de feia, ela era bela. E após conhecê-la ainda conseguia se tornar mais. Seus lábios eram vermelhos e seu humor sempre favorável fazia com que aquela mistura de criança com mulher a tornasse cada vez mais desejável. E por muitos. E o príncipe era belo de fato. Ele tinha uma bondade inigualável, muitas princesas seriam capazes de morrer por ele. Ou até mesmo matar.
E o engraçado é que quando se esta amando surge um brilho interior tão intenso que torna as pessoas ainda mais atrativas. Nada comprovado cientificamente, apenas conclusões de dois amigos especialistas em (des)ilusões amorosas.
E na mesma intensidade que esse brilho causava desejo, causava também inveja. E era dessa inveja que algumas pessoas se alimentavam, sobreviviam e viviam. Pobre casal de apaixonados, mal sabiam eles que quanto maior importância eles dessem a essa inveja, mais ela os afetaria.
Cinderela tentou esquecer os comentários “de não ser a melhor pessoa pro príncipe”, já o príncipe tentou não escutar as farpas lançadas em direção a eles. Continuaram a fazer seus planos na mesma freqüência que crescia o seu amor.
Era casar e viajar pra Bariloche. Era ter filhos e pular de pára-quedas. Essas coisas que todos desejam.

Não se sabe exatamente quanto tempo passou, mas um dia ao chegar no bar, Branca encontra Cinderela sentada chorando. Ela não precisava nem perguntar o motivo das lagrimas da amiga olhou o mesmo relógio de cuco na parede marcando meia noite e os dois pedaços de abobora pendurado na orelha dela, e percebeu que o que desde o começo a amiga temia, aconteceu.

E Branca preferiu não falar nada. Ela entendia que as coisas que as pessoas normalmente dizem, como “tudo vai passar” ou “tem alguém muito especial pra você” só fazem com que as pessoas se sintam piores. Apenas abraçou a amiga, abraços dizem muito.
Cinderela então começou a falar, mesmo que Branca não perguntasse nada. Dizia da dor que sentia, e de como o príncipe havia ido embora. Sem nem ao menos se despedir. Ela havia percebido que ele estava diferente, mas ela não achou que isso fosse motivo suficiente para partir. Ao notar a ausência dele, lhe surgiu a duvida. Ao ler as anotações da agenda dele, lhe teve a certeza. Do modo como ele escrevia, ela não estava mais nos planos dele. E apesar dele nunca ter dito que não mais a amava, ela sentia isso.

Foi quando o barulho do sino interrompeu os choros, palavras e soluços.

O príncipe entrou por aquela porta como no dia em que se conheceram. Ele apenas havia saído pra comprar cigarros. Ela então amou como se fosse a última. (Vinícius D'Àvila)