Wednesday, October 22, 2008

Cinderela Quer Morrer


De longe ouviu-se os passos de Cinderela correndo pelo castelo. Se as mais interessantes histórias eram dividas em apenas três partes, a da Cinderela foi dividida em quatro. Talvez pra prolongar ainda mais o seu mistério ou talvez porque ela não teve a mesma sorte que o famoso Frodo e seus anéis tiveram ao conseguir resolver todos os problemas em três capítulos. Ela correu com lágrimas nos olhos e uma idéia fixa na cabeça. Naquela noite ela queria morrer. E nada mudaria essa idéia. Cansou de viver por anos a espera de uma história que não se realizou. Queimou o falso livro de conto de fadas. Fada que na verdade nunca existiu, apareceu no momento mais tranqüilo da vida dela, com a promessa de ajudá-la sempre e depois sumiu. Sumiu após entregar os tais sapatinhos de cristal, aqueles sapatos que quebrou por causa de um príncipe que não apareceu. O mesmo príncipe que surgiu inesperadamente depois de muito tempo. O mesmo que ela havia depositado toda a responsabilidade de fazê-la feliz, esquecendo-se ela, estúpida princesa, que isso dependia mais dela do que dele. E toda aquela situação e espírito de inferioridade a fizeram sentir e pensar se realmente era amada. Ela sentia falta de cartas de amor. Sentia falta de ser abraçada sem pedir, e dizer palavras bonitas sem precisar dizê-las. Cansada de conversas monossilábicas. E a Branca, uma das únicas pessoas do mundo que a admirou desde o primeiro momento, hoje a via de maneira totalmente diferente. Pra Branca, agora Cinderela era só mais uma daquelas pessoas capaz de passar por cima de qualquer um. A mesma Branca que um dia a presenteou com os novos sapatos de cristais. E a bruxa que era sempre temida pelas princesas, nem foi preciso aparecer na história dela. Era como se até as bruxas hoje também já tivessem pena dela. E acreditou fielmente que esses eram motivos pra morrer. Sempre tão exagerada Cinderela também começou a demonstrar sinais de egoísmo. Não seria o suicídio a maior prova de egoísmo?
E quis morrer de uma forma trágica, lenta e dramática. Envenenou uma maçã e preparou uma despedida silenciosa pra cada pessoa. Tentou lembrar dos últimos abraços, das últimas risadas, da última vez que sentiu frio por correr de uma chuva e parou já com a boca aberta próxima a maça. Ouviu um barulho na entrada do castelo que fez com que interrompesse seu ritual. Era o Príncipe com um sorriso mais belo já visto em seu rosto, um sorriso que a enfeitiçou e a fez sentir amada. Ali ela pode entender que sorrisos salvam vidas. E em questão de segundos desistiu da idéia estúpida de se matar. Abraçou o príncipe e subiu de volta a torre para jogar fora a maça. Tarde demais. A maçã já estava mordida e o corpo de Branca jogado ao lado. Ela não acreditou no que tinha acabado de fazer. Matou sua confidente, por causa de um momento de fraqueza. Matou de uma forma trágica, lenta e dramática.
Desceu novamente desesperada as escadas deixando para trás um pé do par de sapatos dado pela amiga Branca. Esperaram por um longo tempo, e depois dos beijos de quase todos os príncipes, chorou ao perceber que a amiga não mais levantaria. Chorou silenciosamente, após ter que enterrá-la e saber que ela seria a culpada, mas também a que mais sofreria.
E aos poucos foi percebendo que sua história chegava ao fim.

Ela percebeu que a fada era só mais uma daquelas pessoas que passam na nossa vida, mas que inevitavelmente somem. Se ela prolongassem ainda mais a presença dela, tornaria tudo cansativo e tiraria metade da beleza da historia. Ela entendeu que o príncipe poderia não amar da forma com ela imaginava, mas ela poderia sentir que ele a amava na máxima intensidade. E que a amiga Branca poderia odiá-la por alguns segundos por causa dos defeitos dela, mas foram as qualidades que as fizeram ser amigas. Compreendeu que destinos são difíceis de serem mudados. As vezes podem até demorar, mas a maçã como no conto de fadas, era realmente pra Branca. E principalmente, percebeu que vilão e mocinho, dependem da forma como a história foi contada, podendo ser a mistura dos dois em uma só pessoa. E que naquele trágico final feliz, essa mistura, havia sido ela.
Depois de algum tempo, Cinderela casou, teve dois filhos e engordou. (Vinícius D'Ávila)