Tuesday, February 10, 2009

Uma história sobres os Beatles, um par de pernas e duas bolas de gudes!




E era mais uma família de três filhos. Partiu primeiro o filho do meio num trágico acidente de carro, deixando dois pais feridos. Feridos com a marca de acabarem sós. A morte estava ali provando mais uma vez que nem todas as surpresas são agradáveis e a morte não respeitava regras.

E os pais provaram que amavam seus filhos da máxima forma que poderiam provar.

O pai queimou todas as fotos do filho do meio e as que não teve força suficiente pra isso, escondeu na casa de vizinhos e parentes distantes. A mãe chorou todas as lágrimas que um ser humano é capaz de chorar. Chorou até secar por dentro. Até perceber que nada mais lhe causaria dor, pois já havia passado pela pior de todas. Endureceram e curaram.

A morte deixou um espaço de idade entre o mais velho e o mais novo. Um espaço de 5 anos que não seria nunca preenchido.

O mais velho chegou na fase de se apaixonar, de escolher um sonho, se ferrar e caminhar. Aquela mãe não permitiria que outro filho lhe fosse tirado. Egoísta seria quem lhe tirasse o filho.E como um vento que sopra em dias quentes para aliviar toda inquietude, sopraram-lhe uma idéia nos ouvidos. Depois de um tempo relutar, concordou com a idéia que teve ao ouvir numa novela:

“Corte suas pernas e fique comigo!!! Aí, eu te amarei por todo o sempre e sempre...”

Ela não compreendeu que a amada estava metaforicamente falando. Era o coração, e não as pernas, que evitavam que o amado partisse.

E os pais provaram que amavam seus filhos da pior forma que poderiam provar.

Durante a noite cortaram as pernas do filho mais velho. Suas pernas viveram pouco mais de 18 anos e ali foram retiradas. O filho que a princípio tentou escapar foi convencido que ali era o único lugar onde deveria viver.

E se por algumas noites aquela mãe se arrependia das pernas que matou, durante o dia ela tinha a certeza de que tinha feito o certo, já não mais morreria sozinho.

E os problemas só se complicaram com o amadurecimento do filho mais novo. Que de filho mais novo se tornou em sonhador. É que essa história aconteceu numa época que não existia mais amor. As pessoas já não mais se apaixonavam. E o mais novo conseguiu quebrar a pedra em forma de coração que havia recebido quando nasceu. Se apaixonou por uma jovem totalmente errada. Perfeitamente errada. Ela usava piercing, mascava chiclete e tinha mechas vermelhas no cabelo. Não ia à missa aos domingos, fumava dois maços por dia, tinha uma risada escandalosa e era fã dos Beatles. Eles se amavam em todos os seus erros.

Não se preocupavam com os comentários dos vizinho que insistiam em acompanhá-los com os olhos toda vez que passavam e nem se importava em voltar a pé em dias de chuvas. O importante era que pudessem passar cada segundo mais próximos.

E a mãe até poderia aceitar não cortar as pernas do filho mais novo, mas nunca aceitaria a beatlemaníaca de dentes estranhos. Tinha medo que o arrependimento parasse de visitá-la só durante as noites e fizesse amizade com sua sombra. Mas caso fosse inevitável, as do filho mais novo também iria cortar.

E os pais provaram que amavam seus filhos da forma mais estúpida que poderiam provar.

Trancou o filho mais novo em casa, acreditava que sem se ver acabariam se esquecendo. Estúpida. Poderia lhe arrancar os olhos e mesmo assim não se esqueceriam. Mas aquela mãe nunca saberia disso. Ela nunca se apaixonou.

Poderiam se passar anos que a de unhas de esmaltes comidos estaria ali. Esperando-o.

E eles se comunicavam por cartas. Usavam pseudônimos, e falavam de partidas de bolinha de gude, quando queriam falar de amor. A beatlemaníaca chorava ao perceber que as cartas que recebia estavam marcadas por lágrimas. Lágrimas que nenhum sol seria capaz de secar daquele papel de muitas palavras.

E o irmão mais velho que se mostrava neutro em toda aquela situação, o mesmo irmão mais velho que junto com suas pernas foi embora também a voz. O mesmo irmão que mandava silenciosamente as cartas.

Cansada. A garota das mechas vermelhas vestiu sua blusa estampada com letras de Cazuza, e com a mão direita segurou seu chaveiro da sorte. O chaveiro em forma de amor. E apesar daquele dia chover muito, fazia um calor insuportável. Ela se escondeu atrás de um muro acumulando toda coragem que poderia juntar.

E ela provou que o amava da forma mais nobre que poderia provar.

Ou saia dali com ele ou morreria com ele aqui. E como todas as histórias, a continuação daqui pra frente se torna confusa. O que se sabe foi que ela conseguiu entrar e conseguiu impedir que as pernas fossem cortadas. Não se sabe se foi intencional ou um acidente, mas enquanto ela gastava seu amor em forma de coragem, a casa começou a pegar fogo.

Os pais foram os primeiros a sair tontos por tanta fumaça.

E o nosso casal sumiu no meio do fogo, mas seus corpos nunca foram achados. Provavelmente conseguiram escapar, ou não. Pois apesar do fogo ter destruído tudo, duas bolinhas de gude foram encontradas intactas onde o fogo começou.

E o pobre irmão mais velho não conseguiu escapar. As pernas lhe fizeram falta.

E aqueles pobres pais de tanto medo da solidão, acabaram sós.

E lembrem-se meus caros apaixonados. O amor de mãe é incondicional. Eles só tiveram o azar de nascerem na época e local que o amor já não mais existia. Não mais existia. Exceto pelo amor entre a beatlemaníaca e o Sr. Bolinha de gude. (Vinícius D`Ávila)