Tuesday, April 06, 2010

A Menina que Teve o Coração Roubado




Ela ainda correu entre a entrada e a porta verde. Antes era azul, mas a pedido da filha, o pai pintou de verde. Apertou a campanhia, bateu na porta e gritou pelo nome. Qualquer coisa que fizessem abrir rápido. Tinha medo que não desse tempo.

Dentro da casa, o pai resmungava que sempre era ele que abria a porta e enrolou alguns segundos enquanto procurava os chinelos. “Calma”! Gritava enquanto esmurravam a porta. “Parece que está morrendo”, pensou enquanto caminhava em direção a porta verde. E estava.

Ao abrir a porta recebeu um último abraço da filha e a viu caindo em seus braços. Ela o olhava como olha quem está apaixonada. Fechou os olhos, como cortinas de um teatro em que a peça é com um fim confuso e a platéia espera reabrir e os atores contarem o fim. Mas os olhos não reabriram. O pai ainda sem entender, deixou que as lagrimas caíssem dos olhos e deu dois beijos. Um na mão da filha e um na própria mão. Beijou a própria mão pra se sentir beijado.

Enquanto a esposa vinha correndo sem entender nada, enquanto a cadelinha lambia a mão imóvel da menina e enquanto ele ainda agradecia por ser sempre ele ao abrir a porta chegou a amiga de sua filha, quase sem fôlego, tentando explicar o que havia acontecido.

Roubaram o coração dela.

Ela tentou explicar que chegou um desconhecido de rosto e palavras bonitas, que em pouco tempo a fez acreditar em tantas coisas inacreditáveis, e que se ela não fosse tão tímida, e a amiga, agora sem coração, não fosse tão precipitada, teria sido ela ali agora sem coração. Ela entregou sem pedir nada em troca. Entregou sem ele pedir explicitamente. Sim. Ele pediu com sorrisos e com aquelas lindas ruguinhas dos olhos que se formavam toda vez que sorria.

Sabe quando você tem um pesadelo horrível que te faz acordar no meio da noite com uma agonia sufocante. E quando você percebe que nada era real e que na verdade está tudo bem e sente um alivio que daria pra aquietar milhares de corações no mundo, se fosse dividido. Pois é, foi esse alivio que ela sentiu ao entregar o coração.

O pai ainda sem entender como corações são roubados saiu pela rua procurando-sei-lá-o-quê. Deu a desculpa que iria atrás daquele ladrão, mas na verdade ele não queria achar nada, queria se perder. Mas acabou encontrando. Em uma lixeira próxima a casa encontrou algo que fez o seu coração parar por alguns segundos.

Um coração. Jogado fora, ali, junto de todas as outras coisas que ninguém precisava estava o coração da filha.

Mas o que mais lhe fez chorar (ou sorrir) foi perceber que entre latas velhas e papeis rasgados o coração ainda batia.

Seria tão mágico se todas as pessoas, assim como essa breve heroína, entendessem que amar é dar sem esperar nada em troca.

(Vinícius D'Ávila)