Thursday, May 06, 2010

O Julgamento do Homem Sem Destino




Assassinato. Foi por esse motivo que ele foi preso. Mas ele não era uma pessoa má. Era casado, feliz e ajudava – sempre que podia – as pessoas. No máximo urinava três vezes ao ano fora do vaso. A última pessoa que imaginariam matando alguém. Era mais fácil imaginá-lo sendo morto.

Era feliz. Mas era tão feliz, tão feliz, tão feliz que exalava felicidade por todos os poros do seu corpo. Talvez fosse essa felicidade que atraiu o bandido. Numa noite que era pra ser uma qualquer, entrou um terceiro e matou sua amada. Ele não conseguiu reagir. Gritar e chorar foi o máximo que pode fazer. Mas gritos não salvam vidas e lágrimas não são provas de dor. Mas doeu. Doeu como se um pedaço dele tivesse morrido e gritou até sumir a voz. Viveu como zumbi entre os vivos, aprendendo a suportar os dias até que numa manhã que também era para ser uma qualquer, ao entrar num supermercado encontrou o tal bandido. Não pensou duas vezes. Iria o usar o revolver que comprou após o assassinato.

E assim mudou o destino daquele que mudou a sua história. Matou o bandido, mas matou também um inocente. Foi preso no mesmo dia. Não se escondeu, não negou, não tentou por a culpa em ninguém.

“Matei para tentar diminuir minha dor. Perdi o medo de morrer, perdi o receio de machucar os outros. Doeu em mim também aqueles tiros, mas doeria ainda mais não os ter dado. Não estava lúcido.”

Foi levado ao tribunal e foi passado a sete outras pessoas o direito de decidir o novo destino dele. Tudo aconteceu em outra época e em outro lugar. Sete pessoas que escutariam uma verdade maquiada – porque uma história contada nunca é idêntica a que aconteceu – chegariam a uma conclusão.

E apesar dos seis primeiros jurados terem apenas se levantado e dito que o condenavam, o que o marcou foi a atitude do último.

Um amigo de tempos antigos. Ele sabia que já estava condenado, mas queria ouvir o julgamento de alguém que o conheceu em todos os seus dias, sabia a dor que havia passado e não iria resumi-lo em apenas por um ato isolado. Ele era culpado, e estava sendo condenado assim, mas não queria ser julgado com cruel, sádico e sem coração.

Então, o seu amigo se levantou e disse:

“Condeno. Porque me envergonha suas atitudes. Me envergonha seu modo de agir e sua capacidade de ferir as pessoas, mesmo sabendo a dor que a morte causou em você. Condeno pelo seu egoísmo, pela sua falta pudor. Condeno porque sinto nojo de ser seu amigo, na verdade não sou, descobri que não te conhecia. Condeno.”

Foi preso e durante todos os dias pensou se dizer somente “condeno”, não era o suficiente. Não se arrependeu e nunca se arrependeria. Pagou pelo crime e saiu da prisão.

Ainda nos primeiros, enquanto tentava reconstruir a vida, recebeu um telegrama. Era pra ser jurado. Vestiu sua melhor roupa e foi.

Podem achar que é coincidência, mas não é. Quem estava sendo julgado, naquele dia, ela aquele último jurado. Aquele mesmo que ele esperou compreensão, mas foi o que mais o condenou. Estava sendo julgado também por assassinato. Briga de trânsito, sacou uma arma e matou um inocente. Depois do crime, ainda foi para uma festa, beber e se divertir.

Diferente do dia do seu julgamento, ele foi o primeiro jurado a falar.

Levantou-se e iniciou o seu discurso.

“Sinto pena de você. Tentei e tento não te odiar, mas te odeio mais do que aquele bandido que um dia matou minha mulher. Porque dele nunca esperei nada, mas você sabia que eu não era somente um assassino. Me envergonho da sua hipocrisia, da sua imaturidade, da sua falta de percepção em analisar que seu teto era de vidro. Acho graça no seu desespero em tentar se justificar. Sei que não se importa com o que penso e sinto nojo de um dia ter pensado que era seu amigo. Mas não te condeno, pois além de assassino, estaria me tornando alguém como você. Não te condeno, mas também não te desejo nada. Nem felicidade, nem estrelas. Te desejo apenas que tenha sorte hoje, para que nenhum dos outros seis jurados, sejam pessoas como você.”

Sentou-se e se fechou. Não queria ouvir o julgamento dos outros.

Ele não discordava que as pessoas deviam pagar pelos seus erros, nem discordava que consertar um erro com outro erro, era burrice. Amigos serviam sim para abrir os olhos e apontar as falhas. Ele só não tolerava julgamentos. Dizia que condenava e pronto. Mas julgamentos ele não tolerava. Porque a diferença entre o assassino e os que jogavam pedra, era apenas a arma.

(Vinícius D'Ávila)