Friday, October 01, 2010

Sem Sentido


Eu sempre quis saber pra que eu escrevia. Alguns de meus textos não tinham sentido, outros não emocionavam ninguém, e pra mim qualquer coisa feita sem justificativa era como ter uma coleção de selos antigos e guardá-los no fundo de um guarda roupa. Sem necessidade. Era mais fácil tê-los usado para enviar cartas.

Quando criança nunca fiquei satisfeito com perguntas mal respondidas.

- E pra que serve isso, mãe?

- Acho que pra nada.

- Mas se não servisse pra nada, não estaria aqui.

- Ah! Deve ter alguma utilidade.

E era isso que eu buscava. A utilidade dos contos que eu escrevia. Foi quando eu parei, pensei e nada achei, desejei então reunir todos em uma pilha grande e colocar fogo. O problema é que eu queria também uma desculpa para isso, então reuni meus melhores contos e enviei para meus escritores favoritos. Eu tinha dentro de mim a certeza que nenhum me responderia, mas só o fiz, para poder queimar sem culpa. Como alguém que termina um namoro porque deixou de amar, e diz que terminou pelas atitudes do outro ou por estar numa fase de vida diferente, ao invés de dizer que terminou simplesmente porque deixou de amar. Não tinha coragem de colocar fogo e dizer que era simplesmente porque nem eu gostava.

Desejei que alguém respondesse o quão brilhante eu escrevia e o quão se identificou com cada conto. Desejei que algum deles perguntassem sobre o fim da história do homem de lata e quantos dias chorei para ter força suficiente para escrever a história do menino que roubava corações.

Só que para minha maior surpresa, obtive respostas de uma escritora de frases curtas, mas já era uma resposta A resposta dela dava uma certeza de que ela não havia lido nada, mas foi suficiente para me impedir de colocar fogo nos contos.

“Escrever é sempre por nós. Nunca pelo outro. Escreva porque te dá prazer”.

Apesar de ter desistido de queimar meus livros, discordei plenamente do que li. Escrever nunca é por nós. É por todos. Escrever contos que ninguém lê, é como soltar pipas em uma cidade de cegos. O prazer estar em saber, mesmo que de longe, tem alguém vendo e torcendo contra ou a favor do vento. Escrever nunca é para si. Não que os contos servissem como pedido de elogios, mas nenhum pintor faz quadros para ficar olhando sozinho depois.

E continuei escrevendo mesmo sem a certeza de que alguém um dia leria, e mesmo se lesse, entenderia. Queria tanto que alguém um dia dissesse que se identificava com tudo que eu já havia escrito.

E esse mesmo destino que chamamos de irônico um dia trouxe para minha porta, uma garota com um caderno recém rasbicado de palavras simples. Ela confessava que havia lido meus contos e que agora queria que eu lesse os dela, para assim dizer o que ali eu aproveitaria.

Li e me encantei com aquele conto sobre o fim de um relacionamento e de como se tudo tornou vazio depois daquele fim. Mas se a maioria das pessoas pensariam que era sobre o amor que falava a história, eu ao ler e reler tive a certeza que falava de solidão, porque mais do que o fracasso de um romance não realizado, ela focava as partes em que não sabia o que estava fazendo ali.

- Está se sentido só? – perguntei a ela ao invés de perguntar se tinha um amor ou se havia chorado por algum fim.

- Sei lá. Solidão é algo que tenho sentido. As vezes sinto a necessidade de ter alguém.

E nesse momento que fiquei sem resposta, ela completou:

- Sabia que iria me compreender. Que me compreenderia porque escreve também.

Foi assim que notei o engano dela, mas eu não tinha coragem suficiente para desmentir. Eu a entendi não porque também escrevia, mas porque eu também me sentia assim. Sozinho.

Não desmenti porque gastei todos os meus segundos pensando numa forma de dizer a ela que havia descoberto o motivo pelo qual eu escrevia. Pensei, mas não disse: “Era pra trazer você para mim”. (Vinícius D'Ávila)