Monday, November 22, 2010

Cartas Cheirando Morango



A CARTA
“Estou escrevendo essa última carta para dizer que desisti, não de você, mas de mim e disso que chamamos de nossa história. Pra te avisar que nos últimos seis meses tenho chegado atrasado nas aulas de inglês, porque fiquei no pátio do colégio esperando você chegar e entrar sem menos me dar um oi. E que guardei no fundo do guarda-roupa aquele vestido que você disse que mais gostava, porque só nessa semana eu o usei três vezes e eu nem sei se olhou para mim. Desisti. Não que eu não agüente ser sua, só não suporto saber que não é meu. Mas não me arrependo de nenhuma linha escrita, mil vezes a dor de um Romeu morto ao invés da agonia de uma Julieta arrependida. Queria poder te dar algo além de cartas. Queria receber algo, além de cartas. Confesso que me enjôo fácil de tudo, de filmes a cheiro de café, quanto mais tenho, menos quero. Mas com as suas cartas é o oposto. Mesmo movida a esperança, te juro que nunca esperei nada. Escrevo para contar que tentei queimar todas as suas cartas, mas por mais que eu sei que muito do que você me escreve não seja verdade, e por mais que eu não saiba se suas cartas me fazem mais mal que bem, eu não teria coragem de queimá-las. Escrevo hoje para confessar que quando eu disse que não achava ser boa para você, era só carência em te ouvir dizer que éramos perfeitos juntos. Mas você me respondeu com metáforas sobre o tempo, que me fez duvidar se gostava de mim e não sabia se expressar ou se não gostava e não tinha corazem de dizer. Nos últimos meses minhas melhores amigas vieram me falar dos seus novos namorados, e eu me senti envergonhada de contar nossa história a elas. E não contei. A não ser para o meu melhor amigo, para não morrer sozinha rodeada por cartas.
Escrevo essa carta dizendo adeus, mas rezando que fique mais.”
O FATO
Essa seria a última carta. Se ela tivesse coragem de entregar. Rasgou. E escreveu uma nova rápida contando seu dia. Colocou no armário 205, como fazia todos os dias e abriu o armário 313 e pegou uma nova.
- Cheira morangos. – Dizia ela para o seu melhor amigo enquanto voltavam para casa. – Ele é bom em acertar cheiros.
- Não é nada. Você que tem cara de quem gosta de morangos. – respondeu empurrando a amiga e tom de brincadeira.
Os últimos seis meses ele obedeciam todo esse ritual que começou com um mesa rabiscada fruto da falta de atividade de uma aula de inglês.
Ela escreveu: “What’s your name?”. E no outro dia, quando chegou, em sua mesa havia escrito: “Me diga primeiro, que depois te direi”. E a preguiça das faxineiras somado ao fato do mapeamento das cadeiras permitiram que ela dialogasse com aquele desconhecido durante alguns dias.
Seu melhor amigo, que além de melhor amigo, era chefe, representante, e tudo que um aluno pode ser da turma, tinha acesso ao mapeamento dos alunos da tarde e conseguiu em poucos dias o nome do correspondente.
Era sua paixão de infância. Era aquele garoto que ela observou por anos no pátio da escola, mas nunca puxou conversa, porque simplesmente ele sempre tinha uma namorada nova, e ela não tinha nem sapatos novos. A adolescência não havia sido cruel com ele, e ela o observava por horas procurando marcas de espinhas que ele não tinha e que nela perdiam se as contas. Ele sempre dava um oi sorrindo com o canto direito da boca e piscando acidentalmente um dos olhos em segundos lentos. Mas não para ela, mesmo depois das cartas. É que pelas cartas ele pediu para não conversarem pessoalmente. A namorada dele nunca iria entender de onde eles se conheceram, mas também pediu que ela não parasse com as cartas. Aquela garota carente por cheiro de morangos também não entendia o porque ele alimentava aquele amor que não se concretizaria. Porque antes das cartas ela sonhava com ele algumas noites, depois das cartas pensava nele todos os dias. Ela o amou por cada palavra escrita.
Certo dia, desobedecendo as regras, ela deu um sorriso enquanto ele passava, mas ele apenas sorriu seco em resposta. Ela não queria abraça-lo desesperadamente e pedir que largasse tudo. Ela só queria agradecer pela carta daquele dia.
Foi então um dia sentada na cantina do pátio que seu melhor amigo chegou para avisá-la que aquele grande amor mudaria de colégio. Ela ainda atônita com a noticia levantou já dizendo:
- Vou hoje na sala dele. Não vou me despedir por cartas.
- Antes de você ir precisa saber uma coisa.
- Eu sei. Eu sei. Você já falou milhões de vezes que ele tem uma namorada e não é isso que quero pedir a ele. Não respondia esperando que ele me amasse, amava-o, por isso respondi.
- Não é isso. É outra coisa que você ainda não sabe.
- O que?
- Ele nunca enviou uma carta. Todas foram eu.
E por ligeiros minutos ele explicou como voltou naquele mesmo dia e respondeu a pergunta na mesa, e como ser chefe, representante e quase tudo da turma o fazia ter acesso aos armários. E como ele desejava que todas aquelas palavras dita ao outro, fossem ditas para ele.
Escorreu algumas lagrimas dos olhos dela pela morte de seu melhor conto de fadas. Foi como durante toda explicação ela só ouvisse: “Era mentira, era tudo mentira”, repetidas vezes. E após secar uma lágrima ela alcançou a maior contradição sentimental que uma pessoa poderia alcançar no mundo.
Ela não sabia se o odiava ou se o amava ainda mais. (Vinícius D'Ávila)