Tuesday, March 01, 2011

A Menina do Caderno Verde



É engraçado, quando tento me lembrar do passado, não consigo me lembrar de muito coisa, nem de muitos amigos, mas me lembro de você. Nunca fui uma criança popular a ponto de ser lembrado pela sala quanto faltasse a aula, mas lembro que você já me esperava sorrindo no outro dia, dizendo que seriamos dupla nos trabalhos. Na verdade acho que nunca te dei a devida importância, porque não tinha noção disso, ou porque tinha tanta segurança no sentimento que tinha por mim. Não tinha maturidade para interpretar a finitude dos fatos.

Nunca consegui ter muitos amigos, mas eu tinha você. E enquanto tentava decifrar o que eu sentia, algo em mim me alertava que ainda não havia idade para sentir. O fato é que você é uma de minhas melhores memórias. Não que você seja a menina mais bonita que enfeita minhas lembranças, mas é a única que eu consigo lembrar com detalhes, como se ainda guardasse meu lugar com seu caderno verde sobre a mesa.

Nunca lhe perguntei porque chegava ao colégio tão cedo, assim como nunca perguntei se era apenas um colega de sala. Nunca tentei beijá-la.

Até que me avisou que iria embora e me deixou sem saber o que fazer. Eu não tinha noção de amor, distancias e despedir pra não mais se ver. Eu não tinha noção de perdas porque nunca havia perdido nada de fato. Como na nossa terceira série em que nossa professora morreu perto do fim do ano, e enquanto todos da sala choravam eu me beslicava por baixo da carteira porque simplesmente eu não conseguia chorar. Eu me achava insensível, mas hoje entendo que não era exatamente isso, eu já estava acostumado a despedir das professoras nos fins dos anos. Eu não sabia dar adeus.

Eu te tratei igual como em todos os outros dias, não prometi cartas, não disse que sentiria falta, não chorei. Eu não tinha maturidade pra me declarar quando você foi embora.

E ficou me olhando no último dia, como se esperasse que eu dissesse alguma coisa, mas eu não disse nada, que já não havia dito nos outros anos.

Na verdade eu só percebi mesmo que havia te perdido quando iniciou um novo ano e ninguém havia guardado um lugar para mim. E somos de uma época em que distancia era mesmo distancia. Não existiam redes sociais, promoções de celular, nem tínhamos idade para viajar sozinhos. E você sumiu.

Foi se tornando lembrança remota, enquanto te guardava em um lado bom do meu cérebro.

Então dez anos depois, em uma festa de réveillon te vi de longe. E sorri quando me viu também. Fiquei com medo de te abraçar apertado, mas não me reconhecer. Porque eu só entendi que foi minha primeira melhor amiga, meu primeiro melhor amor, depois que cresci e percebi que foi burrice não ter te guardado. Que o certo teria sido te enviar cartas, mesmo que eu ainda não soubesse usar selos.

E eu fui te dar oi de perto e percebi que não havia esquecido, mas eu já não tinha significância em sua vida. Disse que estava bem, mas não perguntou como eu estava. Pediu para mandar sinal de vida, mas não me disse como. Apresentou-me seu namorado e voltou a dançar.

Nesses exatos minutos corri para o banheiro e chorei como se fossemos ainda crianças e como se avisasse que iria embora. Chorei cada lágrima que não chorei quando partiu. É claro que a vodka ajudou, mas não sabe o quão doloroso foi pensar que perdi a oportunidade que poderia ter com você.

Enquanto eu me preparava pra ir embora, aceitando a idéia de que não saberia se seus cadernos eram sempre verdes porque sabia que eu amava verde ou porque tinha gostos idênticos aos meus te vi chorando sentada no estacionamento.

Sentei-me e conversei com você. Você não quis falar porque estava ali, mas pelo menos me contou da luta para escolher os sapatos e rimos tentando lembrar o nome das professoras.

E antes que levantasse e fosse embora de novo, criei coragem e perguntei como tudo poderia ter sido. Se eu confessasse todo meu sentimento, se eu não fosse imaturo, se você não tivesse ido embora, se quando pré-adolescentes eu tivesse me declarado, o que teria feito.

Foi então que ela me respondeu:

- Não posso te dar uma resposta, de uma decisão que não tive que tomar.

Levantou com a aproximação do namorado dela, segurou na sua mão e se despediu.

Ouvi algo pior do que qualquer sim, do que qualquer não e chorei. Chorei porque dessa vez entendi sua partida.

Chorei porque nunca mais te vi. (Vinícius D'Ávila)