Saturday, October 29, 2011

Faz de conta que fomos felizes



"Sempre fui sentimental e nunca levei adiante relações em que não estivesse emocionalmente envolvida, e por mais que eu pareça ser durona, é apenas fachada. Só eu sei o quanto já sonhei em ser uma princesa resgatada da torre de um castelo." (Martha Medeiros)
Não sou escritor, na verdade eu fui escrito.
Sou um personagem inventado com receio de nunca ter um final.

Talvez pela ansiedade em encontrar meu destino ou pelas vezes que li e vivi histórias que não eram minhas, comecei a escrever numa tentativa inútil de aliviar a dor.

Li e reli livros e mais livros, procurando princesas que ainda não haviam sido salvas. Pensava se havia escritor cruel o bastante para criar um príncipe sem ninguém.

Deveria haver alguma princesa solitária presa em alguma torre de algum castelo com os mesmo pensamentos que os meus.

Entretanto, Branca de neve não acordou com o meu beijo, Cinderela partiu antes da meia noite, Julieta não sorriu para mim.

Porque o frustrante não era descobrir que eu não era o príncipe da vida delas. Era que haviam outros príncipe vivendo a vida que um dia eu cheguei a pensar que era minha.

Foi então que me isolei com livros a procura dela. A poeira já não me incomodava mais e eu até fiquei feliz ao saber que Rapunzel se casou.

"Não gostei tanto dela". Foi o que pensei.

A pilha de histórias finalizadas estava cada vez maior até que numa estante perdida achei a história dela.

O livro dizia que presa em um castelo uma princesa esperava pelo seu príncipe. Só poderia se casar com ela aquele que a visitasse por cem dias seguidos. O problema é que entre o portão do reino e as portas do castelo haveriam adversidades que o fariam não voltar nos outros dias. E um dia que faltasse perderia por inteiro todas as chances de se casar com ela.

“E se amá-la de verdade, não desistirá”. O resto eram dezenas de páginas em branco.

E no primeiro dia, enquanto eu esperava dragões indomáveis ou pontes estreitas, o que quase me impediu de seguir foi uma domadora de cavalos.

Eu me apaixonei. Caros leitores, você podem questionar quão rápido gostei de alguém, porque até eu mesmo me surpreendi com a velocidade dos acontecimentos.

Conversamos um pouco e nos beijamos em seguida, mas parti rapidamente para que ainda desse tempo de chegar ao castelo, pois eu só poderia vê-la no dia seguinte, se completasse minha jornada a cada dia. E mesmo sem que me dissesse, que trocasse "eu te amo" por "eu gosto de você", eu sabia que me amava também.

E quer saber? Pântano nenhum seria difícil de atravessar, porque minha vontade de te vê-la era maior.

No primeiro dia também conheci a princesa. Ela me recebeu sorrindo e me perguntava a todo segundo se eu voltaria no outro dia e de quão medo ela sentiu que eu nunca chegasse. Dos inúmeros príncipes que desistiram faltando pouco. De como ela acreditava que era eu o verdadeiro. E de como ela amava cavalos.

Percebem o quão cruel é se apaixonar por outra pessoa enquanto alguém nos espera do outro lado? Quão cruel é se apaixonar por alguém a caminho do encontro da pessoa amada?
E era isso que me martelava. Eu não poderia abrir mão de todo um reino por um amor a domadora de cavalos, além de que havia uma princesa que sabe lá quantas noites passou esperando por mim e eu não podia simplesmente deixa-la sem nenhuma explicação. Por outro lado eu não poderia fingir que não sentia nada, porque eu percebi que amava aquela domadora quando conclui que até o vento que saia do seu nariz tinha cheiro bom. Se enquanto estava com ela eu tinha certeza que o meu pra sempre seria ao seu lado, quanto mais perto do castelo e mais distante da domadora de cavalos, menos força eu tinha para abandonar.

E assim fui seguindo por 99 dias. Até que tive que tomar a decisão.

No centésimo dia eu entendi que por mais que amasse a domadora de cavalos, não tinha força suficiente para fugir com ela. Que havia uma princesa me esperando. E que príncipes e princesas foram criados para ficarem juntos. Que cem dias podem durar para sempre se forem bem guardados. Que não era forte o bastante pra mudar meu destino, ainda que eu não fosse feliz.

Corri o máximo que pude, como se olhar para trás fosse questionar minha própria decisão. Não tive coragem de visitar a domadora naquele dia. Atravessei pontes e estradas até chegar na porta do castelo que ao abrir me deparei com algo surpreendente. Não havia nada lá.
Nem moveis, nem princesa.

Fiquei pensativo se algum príncipe havia completado cem dias antes de mim ou se a princesa havia notado que eu não a amava e havia ido embora. Ainda que eu não a amasse, ainda que eu houvesse pensado em ir embora também, doeu descobrir que ela havia partido.
Mas não quis pensar muito nisso, quis voltar para buscar a domadora. Talvez fosse crueldade da minha parte, mas depois que passou a frustração, me senti aliviado dela ter desistido por mim. Senti gratidão por ter tido a coragem que eu não tive. Mas ao chegar no casebre de minha amada, novamente fiquei surpreso. A domadora não estava lá e em seu lugar estava a princesa cuidando dos cavalos.

A princesa me explicou que ela nunca foi princesa e a verdadeira era aquela domadora. E se não havia sentimento antes para nos casarmos, agora sem o nobre titulo, não haveria motivo algum. Foi então que eu entendi que a maior adversidade daquele caminha não era resistir ao amor, pelo contrário, era ter coragem para se entregar a ele.

E termino a minha história da mesma maneira que comecei. Relendo livros antigos. Hoje eu sei que não era tão bobagem quando dizem que cada tampa tem sua panela, mas também tenho uma versão que elas nem sempre se encontram. Por vezes me pego pensando em como poderia mudar os fatos, mas se mudar qualquer momento de nosso passado corro risco de apagar os momentos mais felizes de minha vida.

Ao voltar para a biblioteca encontro o mesmo livro só que sem as páginas vazias. A vida real não segue a mesma cronologia dos contos de fadas. Não sei se foi logo em seguida ou anos depois, só sei que encontrou alguém. Não foi fácil ler que ela foi feliz para sempre sem mim.

Mas já que a vida era um grande faz de conta e eu agora sou seu escritor, queria terminar dizendo a ela:
"Faz de conta que eu tive coragem"
E ouvi-la responder:
"Faz de conta que eu não fui embora também" . (Vinícius D'Ávila)