Monday, October 03, 2011

Por favor, não me ame



Iniciou falando com a voz um pouco rouca. A expressão de tristeza desmentia o que a maquiagem e as roupas insistiam em dizer. Ele era um bobo da corte.

Enquanto as pessoas esperavam que o bobo fosse melhor em contar histórias do que em distribuir sorrisos, o bobo continuou a falar.

E contou uma fantástica história de um reino de duas rainhas, mas um único rei. E o ciúmes entre as duas só fez crescer, após o nascimento da criança que uma delas não poderia nunca ter.

E o que se iniciou como boato acabou se tornando um fato. Lançaram uma maldição na princesa, e apesar dos indícios da rainha estéril ter sido a culpada, nenhuma condenação foi feita por falta de provas.

Foi ai que se deu início a adolescência solitária da única princesa daquele reino. O feitiço dizia que quem se apaixonasse por ela, morreria instantaneamente.

Os príncipes nem precisaram se afastar daquela jovem sem sorte, ela mesmo teve a atitude de evitar qualquer tipo de envolvimento, pois ela não aceitaria ver ninguém morrendo por ela, ainda que não fosse sua culpa.

Quer saber? Talvez vocês nunca saibam o quão triste é não poder ficar com quem se ama, porque em um determinado ponto da história alguém determinou que fosse assim.

E o bobo contou quando chegou ao castelo e como tentou animar aquela princesa desacreditada. Tentativas em vão. Não era simplesmente por nunca ter vivido um amor, pois há milhares de pessoas e princesas que passam uma vida inteira sem amar, ou quando amam, sem serem correspondidas. O triste era ela saber que apesar da aparente semelhança com as meninas da sua idade ela nunca poderia amar e viver esse amor, como se no lugar do seu coração lhe tivessem dado uma pedra.

O que ela não sabia é que ela poderia evitar que os príncipes se aproximassem, mas não poderia evitar que nenhum amor nascesse por ela.

Foi um músico do reino que se aproximou sem medo aparente de maldição alguma. Cantou músicas para ela até que ela se fez acreditar que músicos não se apaixonavam para que pudesse permitir a aproximação. Ainda que seu coração fosse de pedra, sentiu cada pedacinho amolecer ao som daquele violão velho.

Sentiu-se fraca. Por 17 anos ela tinha o dom de evitar pessoas, pois nunca de verdade tinha amado nenhuma delas. É fácil despedir de alguém quando não se espera nada dele, o problema é dizer adeus quando seu coração pede para ficar. O problema era perceber que ela tinha um coração e que funcionava muito bem.

Dia após dia, ela percebeu que estava apaixonada. Não precisou de muitas musicas, muitos dias, muitas provas. Sorrir toda vez que se lembrava dele já era o suficiente.

Foi então que decidiu cometer dos seus atos o mais heróico. Antes que o músico dissesse estar apaixonado como ela, e que por conseqüência morresse por isso. Matou-se.

O vermelho que manchava o vestido, o punhal próximo aos dedos delicados de alguém que pouco tinha vivido, os olhos fechados como se a qualquer momento fosse abrir, o perfume que ainda não havia abandonado o corpo, o coração que não era pedra, mas havia parado. Toda essa cena foi suficiente para abalar todos do reino.

O triste era contar a princesa, caso mortos pudessem ouvir, que suicídio nenhum seria capaz de evitar a morte do músico por um feitiço. Pois ao saber que do ato da princesa, ele se revoltou, porém a amou mais.

A surpresa foi que o músico não morreu. E o remorso da rainha invejosa fez com que ela contasse toda a verdade. Não existia feitiço algum. Nunca existiu feitiço algum. Ela só criou um boato, e de tanto ser repetido as pessoas tomaram como verdade. Ela não esperava que as pessoas acreditassem assim como não esperava que alguém morresse por isso. Ela só se divertia com agonia da filha que não era dela. Esperava que o tempo desmentisse.

As pessoas olhavam para o bobo atônitas, como se a qualquer momento ele dissesse que era brincadeira e que a princesa acordou e viveu o grande amor. Mas ao invés disso contou que o músico nunca mais amou, mas compôs musicas sobre a existência dele, e de como a rainha havia enlouquecido.

E com a voz quase sumindo, ele encerrou a triste história falando dele mesmo:

"E maior do que todo o remorso que aquela rainha poderia sentir em algum momento da vida, foi o remorso que eu senti. Porque eu sempre soube que era tudo mentira, mas nunca fui herói o bastante para ir lá e falar isso. Simplesmente sempre soube. Pois se o feitiço fosse mesmo verdade eu teria sido o primeiro a ter morrido."

(Vinícius DÁvila)