Saturday, January 07, 2012

A Bailarina do Circo Sol Nascente



Ficou ansioso com a chegada do circo. Seus 18 anos não tiraram dele o amor que ele tinha por aquela arte que surgiu ainda criança. Todo ano, no verão, esperava a chegada dos carros coloridos que traziam junto todos aqueles artistas que um dia ele queria ser.
Ele se lembra de quando tinha 8 anos. Das pessoas montando a tenda do “Circo Sem Futuro” e ele na fila com sua mãe esperando que chegasse a sua vez para comprar pipoca. E logo ali, também na entrada, havia uma cigana tão bonita, que sua pouca idade não foi capaz de fazer com que não olhasse para ela. E olhou, olhou e olhou tanto, que sua mãe achou que ele estava encantado pelas cartas, tecidos vermelhos e bola de cristal. Como se tudo aquilo fosse brincadeira, falou que ficaria na fila por ele o mandou até ela.
Abriu sua mão sorrindo como se ela o pedisse em casamento e como se ele tivesse idade para se casar. E guardou todas as palavras que ela lhe disse. “Você só irá se apaixonar de verdade, quando vir o sol nascer ao lado daquela que beijar”. E voltou ao circo todos os outros dias naquele verão.
No dia em que o circo foi embora, teve até febre. Sua mãe ficou preocupada, mas logo, logo passou. Ele só estava sofrendo antecipadamente a dor de não ver mais a cigana e de ficar tempo ficar sem ir ao circo.
Daí em diante traçou duas rotinas em sua vida. A primeira que foi ir sempre ao circo em todos os verões. Na esperança de mais uma vez rever a cigana e pedir a ela que desmentisse a profecia. Ele estava cansado de brincar de ser vampiro e esconder do sol nascer, por medo de se apaixonar, é claro. O “Circo Sem Futuro” nunca mais voltou. Voltaram outros circos, outros artistas, outros motivos para se encantar, mas não mais aquele.
E a segunda rotina foi não amanhecer ao lado de nenhuma garota que poderia gostar. Não queria sofrer algo que aprendeu tão jovem, que era se despedir. Gostava de se sentir livre! Tirando o amor pelos pais, pessoa nenhuma no mundo o prenderia a algum lugar ou a alguém. Gostava disso.
Até que 10 anos depois, com seus 18 anos recém-completados, chegou o “Circo do Sol Nascente”. O nome soou como ironia, de uma cigana que ele nunca mais veria. Separou a melhor roupa, para ir no primeiro dia, mas não foi. Naquele verão a tempestade castigou tanto a sua região, que dia após dia ele foi adiando a sua ida ao circo esperando uma noite que o céu estivesse limpo e só com estrelas. Até que foi no penúltimo dia. E se encantou mais do que em todos os outros anos. Não por ciganas, pipocas doces ou mágicos. Se encantou por um bailarina que delicadamente dançava na abertura do espetáculo.
Esperou o fim do espetáculo e entregou um bilhete a ela. “Me encontre atrás do circo”.
Ele a esperou sem muita esperança, mas ela foi. Quando a bailarina sorriu ele até passou a acreditar mais em Deus. Rapidamente fechou os olhos e disse para si mesmo "não se apaixone". O problema é que seu coração não era nada obediente e não obedeceu.
Começaram com bons beijos e depois encontraram assuntos e gostos em comum. Esqueceram-se do mundo inteiro e por fim dormiram juntos.
Quando estava perto de amanhecer, levantou, queria despedir dela, mas não despediu, tinha que ir embora antes do sol chegar. Escreveu um bilhete e deixou sobre a mesa. O problema é que antes de partir, ficou tanto tempo olhando para ela com a mão na maçaneta, que o sol chegou antes da coragem dele de fugir. Já era manhã e entregou a carta em mãos.
A beijou, pois não teve coragem de contar a sua história. Tinha medo que ela pensasse que ele era apenas excessivamente carente. E ele era. A verdade é que ele tinha vontade de pedir que ela o beijasse a vida inteira, mas ela iria embora no outro dia, ele não queria perde-la, então para isso, tentou ignorar o que sentia por dentro e optou não te-la.
Pediu a ela que lesse o bilhete em voz alta. E sorria enquanto ela lia.
“Pedi a Deus uma causa impossível. Que fosse pra sempre 5 horas da manhã. E só percebi que estava perdendo a noção da realidade, quando por segundos imaginei que o mundo todo se resumia ali. No nosso quarto e eu em você, e primeiro senti pena de todas as pessoas por não sentirem naquele momento o que eu estava sentindo. Depois senti inveja de que nunca iria sentir o que eu iria ao me despedir de você. O escuro do quarto me impedia de ver teu rosto por completo, mas eu podia sentir seu cheiro e seu peito subir ao respirar. Depois de você eu amo o nascer do sol e vou amar mesmo que a gente não se veja mais. Voce foi a melhor coisa do meu ano mesmo sem ele ter começado direto. Eu queria largar tudo para fugir com você, mas sou covarde demais pra esperar o sol nascer”.
Ele sabia que não deveria ter
Se beijaram por mais um tempo e se despediram.
Ele voltou ao circo para acompanhar os funcionários embarcando as coisas naqueles caminhões-baú.
Deu a ela um último adeus de longe e sentiu seu peito queimar quão mais distante o caminhão ficava.
E como em um ato súbito de coragem se pos a correr. Percebeu que não agüentaria suportar a dor de te-la longe e começou a correr atrás dos caminhões, pedindo que eles parassem. Correu sem malas e sem planos, mas com algo muito forte dentro dele que o fazia não parar de correr.
Até que tropeçou.
Caiu no chão, ralou os joelhos, foi engolido por aquela nuvem de poeira e começou a sorrir. Sorriu porque entendeu que não importava se ele ficasse ou se partisse. Sorriu porque entendeu que o sol que a cigana um dia lhe falou, havia nascido dentro dele. (Vinícius D'Ávila)