Saturday, September 22, 2012

O menino que queria voar


"E o meu erro foi crer, que estar ao seu lado, bastaria" (Paralamas do Sucesso)

Eu adorava cuidar de passarinhos que caiam do ninho, ainda que a maioria deles eu não conseguia fazer com que voltassem a voar. Eu adorava super heróis que voavam, porque para mim, o primeiro passo para ser herói era esse, saber voar. Nunca fui fã do Batman, inclusive na última festa de carnaval do colégio eu fui de Super Homem e quando o vento batia na capa eu poderia jurar que estava voando.

Eu sempre admirei quem soubesse voar.

Um dia eu cheguei tão triste em casa que me tranquei no quarto para que ninguém me visse chorar, agradecendo a Deus a invenção das trancas das portas. Eu nunca tive problema em chorar, mas não suportava a obrigação de ter que justificar para todos o que estava acontecendo. Porque contar o recém ocorrido duplicava a dor. Deitei na cama e olhei para o teto, enquanto lentamente eu observava ele se aproximar.  No inicio até pensei que minha casa estava desmoronando, até que constatei que era eu que estava aprendendo a voar. Levitei alguns centímetros da cama e sentia que a gravidade não tinha tanto poder sobre mim. Se eu ainda fosse criança, talvez até eu mesmo duvidasse do que estava vivendo ali. Se eu estivesse em alguma festa, ia confessar que havia bebido muito, mas não, eu estava voando. O vento que entrava pela janela agora parecia tão prazeroso quando na época do carnaval no colégio.

E dessa maneira segui minha vida, quando estava sozinho eu voava, quando eu acordava pra ir a faculdade eu voava, enquanto via TV eu voava, quando chorava eu voava. E principalmente assim, quanto mais triste me sentia, mais alto eu poderia voar, como se a felicidade me grudasse ao chão e a dor me levasse ao céu.
Sempre que perdia um amor eu voltava voando para casa. E foi um dia voando para casa que a encontrei me seguindo com os olhos pelo céu. Tudo bem que poderia ser apenas uma curiosidade ao me ver passar, mas no dia seguinte ela estava na sala da minha casa tomando café com minha irmã.

Nunca pensei que poderia me apaixonar por alguém só de vê-la tomando café, mas eu me derretia até na mania dela ficar virando o pé e da tatuagem tribal na perna. Ela me olhava como se pedisse "por favor, voe para mim". E ai pronto. Eu me apaixonei por confessar que também era apaixonada por tudo que sabia voar. Logo, presumi que estivesse também se apaixonando por mim.

O problema é que quanto mais ficávamos, mais baixo eu voava, porque eu comecei a experimentar a felicidade até então não conhecida. E quanto eu menos sabia voar, menos era atraente aos olhos dela.  Cai por vezes dentro de meu próprio quarto. E eu percebia que se continuasse com ela desaprenderia logo a voar, mas entre  meus dois sonhos, eu a escolhi.

Tinha medo de confessar isso a ela e ouvir em resposta um "eu não te amo mais", que significaria na verdade um "eu nunca te amei". Até que numa sexta que era pra ser feliz, ela reuniu muitos de seus amigos, na cobertura de seu prédio e disse:

“Anda amor, voe para eles verem”

Eu queria pedi-la para parar de me chamar de amor, porque me chamando assim eu seria mais feliz que protagonista em fim de novela e no fim eu me espatifaria no chão se tentasse voar. Ela já aflita com minhas negações me direcionou um olhar de desprezo que certificou muita duvida dentro de mim. Comecei um conflito interno sobre o quanto ela realmente me amava e tudo que sentia por mim. Que ela realmente amava minha capacidade de voar, mas não me amava em terra firme. Talvez tivesse um orgulho por mim, mas não chegava a ser amor. Ai senti uma daquelas pontadas quando o telefone toca de madrugada e você acorda assustado porque sabe que é noticia ruim. Soltei a mão dela e corri em direção a sacada, me preparando para pular mesmo que terminasse no chão, mas aceitando que ela nunca me amaria na forma como eu a amava por mais que eu até a ensinasse a voar . E quando pulei, não cai, pelo contrário, surpreendentemente voei mais alto do que um dia pude imaginar.

Naquela noite despedi do amor da minha vida, mas incrivelmente, sobrevivi. Pulei daquele prédio achando que morreria por causa do amor dela, mas perde-lo me fez voar ainda mais. (Vinícius D'Ávila)