Wednesday, September 25, 2013

De 7 em 7 anos


Demorei duas estações para lembrar seu nome. “Era um nome de gente velha, nome de gente velha”. Fiquei repetindo para mim até que veio em minha cabeça. E lembrei junto da frase que eu disse quando você o falou para mim: “Seu nome te envelhece sete anos”. Você riu e eu meio que presunçosamente constatei que havia te interceptado bem. Talvez por coincidência, você havia envelhecido sete anos desde a última vez que eu te vi, e eu também. Você interrompia o que lia, olhava para o ar condicionado, se ajeitava num incomodo simbólico de quem sentia frio, e voltava a ler. Eu olhava para você fingindo que estava perdido no meu pensamento com o olhar fixo em algum ponto aleatório, para que não percebesse que simplesmente eu olhava para você. O metrô estava vazio, então raramente alguém se posicionava em minha frente. Você era minha paisagem daquela viagem.

Eu não deveria perder tempo, pois em qualquer uma das próximas estações você poderia descer, mas de onde tirar coragem para me aproximar e perguntar: “Se lembra de mim?”. Teria a opção de não se lembrar, o que não seria totalmente ruim de fato, mas e se lembrasse mas preferiu não dizer?

Você era mais velha. Em uma das minhas primeiras festas de república, quando eu ainda não sabia que misturar cerveja e vodka dava merda e meu peso me classificava no grupo de subnutridos, você estava lá conectada com todas as pessoas carregando uma gaita no bolso e se pondo a tocar quando os assuntos acabavam. Quando você sorria, um furinho se formava em cada bochecha, que se escondiam por trás de suas mãos na tentativa de bloquear o vento e acender seu cigarro. Você coçava o queixo com o polegar, porque com o indicador e o dedo médio, você segurava seu cigarro. E antes da próxima tragada, você mordia o próprio lábio inferior, e depois passava a língua por eles para que não ficassem ressecados.

Você terminando a faculdade e eu começando a minha.

Cigarro, maconha, bebidas, banda de reggae, poster da playboy pendurado na parede da sala, gente abrindo cerveja com os dentes, meninas se beijando na fila do banheiro, meninos vomitando por de trás do carro, tudo aquilo era tão desconhecido para mim e você que parecia ser tanto daquele mundo, que eu tive vontade de te parar e pedir que me guiasse. Mas foi você que veio me perguntar onde ficava o banheiro. Foi ai que conversamos e mesmo sem nenhuma vontade de urinar, me posicionei atrás de você na fila. A menina na sua frente pediu para que segurasse um copo, além do seu. E você tentava me falar de seus planos agora como jornalista formada, mas sem poder gesticular.

Hoje em dia eu entendo a significância de ir em festas e beijar um número maior de pessoas do que eu sou capaz de contar e ir embora sem saber  qual delas era Maria e qual era Ana. Mas naquela época, quando eu ainda não havia amado ninguém, quando meus amigos do ensino médio só tomavam coca-cola e quando os únicos beijos dados haviam sido na porta da igreja esperando o ensaio do coral, você teve um papel significante no meu baú de boas memórias. E o meu medo era constatar que eu havia apenas sido um dos meninos sem rosto que você beijou.

Porque sim, nos beijamos. Rapidamente, mas nos beijamos. Uma chuva fez com que a festa acabasse e eu bêbado, fui facilmente guiado pelos meus amigos para dentro do carro olhando por você perdida tentando escapar dos pingos de chuva. Mas antes disso, você fez com que eu abrisse a mão e da bolsa de pano que carregava de lado tirou uma caneta ponta fina, caneta de quem desenha enquanto não se faz nada, e anotou seu telefone e me pediu que ligasse.

Quando liguei me contou da sua semana agitada, mas me confortou com uma quinta-feira livre. Foi só ali, por telefone, que me confessou que estava indo embora do Brasil. Fazer mestrado, estudar cinema, virar dançarina, não me lembro.

O problema foi que você nunca apareceu no encontro marcado e aquela quinta-feira lidera como uma das mais tristes, em que eu, sozinho, sentado, tentava inventar desculpas por você não ter aparecido. Numa época em que não éramos rodeados por redes sociais nem promoções de celulares, fiquei sem ter notícias. Sem amigos em comum, sem festas para nos reencontrarmos ao acaso, sem fotos para relembrar das covinhas, sem uma oportunidade para te mostrar que eu não só havia aprendido a fumar, mas falava dez palavras sem soltar a fumaça da boca, você foi morrendo em mim.

E distantes da nossa terra natal, e na infinita opções de cidades que poderíamos estar e na absurda quantidade de trens que poderíamos ter pegado, na diversificada escolha de vagão para entrar, estávamos lá. Frente a frente. Mas qual atitude tomar?
           
Você já devia ter 30, se vestia de uma maneira mais formal, mas estava ainda mais bonita. No segundo que criava coragem para te abordar, criava um discurso em minha mente, que se diluía no segundo seguinte, quando eu desistia do plano. Porque havia duas opções: que se lembrasse ou que não se lembrasse. Se não se lembrasse, não haveria o porquê de tal abordagem. Mas se lembrasse, haveria novamente duas opções. De não ter me abordado porque não ligou o garoto de ontem ao homem de hoje ou a importância dada ao fato não era realmente a mesma minha. Se minha efêmera passagem pela sua história não havia tido importância, também não haveria o porquê de tal abordagem. Mas se não conseguiu me reconhecer, levantava em mim um novo questionamento: Será que queríamos mudar a imagem que ficou de 7 anos antes? Mesmo sem termos nos despedidos, julgava nossa história bonita demais para mudar o final.

Eu assumi o risco, criei coragem, decidi. Mas o mundo me deu coragem na mesma estação em que você precisava descer. O metrô parou, as portas se abriram, você guardou o livro na bolsa, levantou, ajeitou o casaco e saiu. Assim que as postas se fecharam, antes do trem sair, você olhou para trás e sorriu para mim. 
(Vinícius D'Ávila)