Friday, September 30, 2016
Dos vilões que criamos
A gestação nos seres humanos dura de 37 a 41 semanas. Os médicos devem ter as suas razões para usar esse sistema de medida, mas o problema é que eu sempre me perco em contagens que não se usa meses. Pelo menos com gravidez. E apesar de 9 meses ser o tempo esperado, tratava-se com maior risco os nascidos com 8 que com 7 meses. Foram exatos 8 meses entre o primeiro oi e o primeiro beijo. E eu fiquei receoso com o risco que esse tempo de espera causaria. Há coisas que a gente escuta quando criança e reproduz a vida inteira, não importando se é verdade. No início eu quis odiar o tempo, até você jogar a culpa nas distâncias geográficas. O engraçado é que a minha vida toda eu trabalhei com pesquisas com insetos. Algumas das minhas vespas não vivem mais que duas semanas. Já as minhas joaninhas podem sobreviver tranquilamente por até 4 meses. O tempo é relativo.Então não seria exagero eu dizer que te esperei uma vida inteira. Os cientistas anunciaram que em menos de 50 anos, Tuvalu desaparecerá completamente do mapa. O aumento do nível dos oceanos devido ao aquecimento global vai acabar deixando toda uma nação submersa. Não há nenhuma região em Tuvalu que ultrapasse quatro metros e meio. Os habitantes não interromperam as rotinas diante o fim anunciado. De alguma maneira eles sempre souberam que o fim chega ainda que não premeditado. Estamos a 2.300km de distância ou 32 horas de carro. Eu sempre achei horas era a forma mais justa de calcular a distância. De alguma maneira eu sempre culpei os números, mas é bobeira achar que toda história precisa ter um vilão. Há 53 companhias aéreas só na América do sul. Um trem bala no japão alcançou a velocidade de 603 km/h. O olho humano é capaz de enxergar até 5 km de distância. Por ano são lançado mais de novos 20 mil filmes. Cerca de 140 mil pessoas circulam diariamente pelo aeroporto de Guarulhos. 8 de setembro 2 deles éramos nós. Viram como os números podem ser positivos? O nosso vício por filme de terror fez com que a gente tentasse encontrar vilão para tudo.
Por você eu passei a odiar o fim dos filmes no cinema. Não por qualquer furo no roteiro. Não por sensibilidade as luzes da sala. Mas é que os créditos do filme anunciavam a separação das nossas mãos. Cada qual voltando a pertencer a seu corpo e só restava sal de pipoca nos meus dedos solitários. Não é culpa minha. Perdoe. Você disse que a gente é muito diferente pra ficar junto. A diferença já começa ai. Para mim, é ela a razão da gente não se separar. Eu tenho medo de dirigir, enquanto você dirige com tranquilidade. Você não gosta de pedir informações, enquanto eu sempre tenho assuntos com estranhos. Separados você erra o caminho, enquanto eu vou devagar. Fique. A polícia não está atrás de nós. As pessoas ao nosso redor perderam o interesse sobre a nossa história. A gente não precisa mais de álibis ou razões super fundamentadas seja para ficar ou para partir. Percebi que você emudeceu quando eu usei suas palavras como dividas. Procurei sua voz perdida em todos os bolsos de todas as calças, nas aberturas das malas, embaixo da cama. Não achei. Você não responde, mas me ouve. Fique. Uma parte de mim tenta desesperadamente lutar contra o tempo. O sol insiste em nascer cedo mesmo estando no inverno. Fecho as cortinas na esperança de enganar o tempo. É inútil. No filme que te presenteei, Thomas pede Veda para pensar nele se nada der certo com professor Bixler. Ela pensaria. Ela disse que sim. A gente sabe que pensaria. Os autores fazem a gente acreditar nisso. Mas Thomas morre picado por abelhas antes dela desistir do professor Bixler. Eu tenho mania de me apropriar de falas de filmes e repeti a mesma frase a você. Ao invés de sim, você perguntou quem era Bixler. Eu ri, mas por dentro senti uma pontada na barriga com medo de ser Thomas. Coloquei a culpa nas abelhas. Uma amiga disse que essa pontada é paixão. Que há toda uma explicação fisiológica e hormonal, me mostrou gráficos sobre picos de adrenalina e todas reações que ela causa em nosso corpo. Adrenalina causa dependência. Talvez a culpa seja minha. Minha, da superproteção de minha mãe e do meu medo de altura. Eu passei uma vida me privando de picos de adrenalina e agora estou viciado nas pontadas na barriga que sua presença me causa. Um livro de autoajuda me aconselhou a te esquecer. Mas eu não quero. No lugar eu recomecei a contagem. Eu me fiz a mesma pergunta mil vezes: Onde ir com alguém que já conhece tantos lugares? Só restava meu mundo. Meus amigos, minhas manias. E de perto não somos tão diferentes assim. Hoje você já assiste séries e eu como chia. Nas aulas de morfologia, aprendi que as abelhas morrem quando picam. O ferrão é um prolongamento do abdômen que se rompe no momento em que a abelha abandona a vítima. Se as abelhas também morreram, quem seria nosso vilão?
(Vinícius D'Ávila)